terça-feira, 31 de julho de 2007

Transposição do Rio São Francisco



INTRODUÇÃO

Pretende-se demonstrar, neste artigo, que os diagnósticos realizados pelo Projeto estão eivados de equívocos e impropriedades. Para isto, o autor faz uma análise crítica dos principais argumentos utilizados na elaboração do Projeto de Transposição ou na defesa da sua execução.

EXAUSTÃO DAS DISPONIBILIDADES HÍDRICAS DAS BACIAS RECEPTORAS

Pelo Projeto, estas disponibilidades, superficiais e subterrâneas, estariam exauridas desde o ano passado (2006), quando confrontados com as demandas atuais.

Esta avaliação é falaciosa porque se baseia nas disponibilidades hídricas de uns poucos reservatórios influenciados diretamente pelo Projeto, não contemplando a unidade de gestão preconizada pela Lei 9.433/97, que é a bacia hidrográfica. Conseqüentemente, subestima a avaliação do potencial e das disponibilidades das diversas bacias pretensamente receptoras.

Na realidade, o potencial (vazão média de longo período dos escoamentos superficial e subterrâneo) e a sua dependente disponibilidade superam, com sobras, as demandas totais de cada bacia, correspondentes aos abastecimentos humano (urbano e rural), da pecuária, industrial e de projetos de irrigação existentes. É o que demonstra o quadro a seguir:

Confronto Disponibilidades X Demandas Totais (Em milhões de m³/ano)

Obs.: *- Demandas referidas ao ano 2003; **- Demandas referidas ao ano 2023;
***- A parcela do Potencial está acrescida das Reservas Exploráveis do Sistema Aqüífero Aluvial.

VULNERABILIDADE DO ABASTECIMENTO URBANO COM OS RECURSOS HÍDRICOS LOCAIS

Esta vulnerabilidade existiria, manifestada pelo colapso dos sistemas de abastecimento de cidades inseridas na região semi-árida nordestina.

É uma verdade parcial. Na realidade, os sistemas de abastecimento destas cidades entram em colapso por uma ou pelo conjunto das razões seguintes: falta de capacidade de regularização pluri-anual, 100% garantida, dos reservatórios utilizados como fonte de abastecimento; falta de gerenciamento destes reservatórios, usando-os além de suas capacidades de regularização 100% garantida ou, ainda, obsolescência do sistema de abastecimento. Nunca, porém, por falta de água nas respectivas bacias hidrográficas locais. É o que demonstram as respostas das Secretarias Estaduais de Recursos Hídricos, respostas estas contidas no Ofício No 373/MI, datado de 16/09/2005, do Ministério da Integração Nacional dirigido à ANA, no qual estas Secretarias informam as vazões 100% garantidas de reservatórios localizados nas bacias receptoras que poderiam suprir as demandas estimadas para o Ano de 2025, com a segurança requerida, os 12 milhões de habitantes urbanos de cidades inseridas na região semi-árida, inclusive, Fortaleza/Ceará e Campina Grande, na Paraíba. O quadro abaixo sintetiza as informações, contidas no referido Ofício.


Confronto Disponibilidades Atuais X Demandas Humanas Urbanas em 2025

Fonte: Estudos de Inserção Regional, Relatório Geral, Tomo I, Março-2000 e Of. 373/2005-MI.

Deve-se destacar que a demanda para o abastecimento humano atual da região polarizada pela cidade de Campina Grande (são 16 cidades, ao todo), situada no curso médio da bacia do Rio Paraíba, é atendida pelo reservatório denominado Presidente Epitácio Pessoa, popularmente conhecido como Boqueirão. Esta demanda, incluindo as perdas físicas, atinge cerca de 1,10 m³/s para uma vazão regularizada com 100% de garantia, de 1,23 m³/s, havendo, portanto, ainda, um pequeno saldo. Para suprir as demandas futuras, foi construída a barragem de Acauã, situada no curso médio do Rio Paraíba, cujo reservatório regulariza uma vazão de 1,97 m³/s, dados constantes do Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado da Paraíba (2006), o PERH-PB. Em relação às demais cidades foi criado, dentro do PERH-PB, um Programa, resultante de uma Conferência de Consenso entre técnicos que lidam com recursos hídricos, funcionários públicos ou pertencentes à iniciativa privada, visando à substituição dos sistemas de abastecimento vulneráveis por outros, totalmente garantidos, a partir de reservatórios dotados destas condições de regularização pluri-anual.

A TRANSPOSIÇÃO E A SECA

Apregoam que os gastos de duas secas correspondem ao custo de execução do projeto, como se, após o mesmo, o problema da seca estivesse solucionado. Recentemente, o Ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, declarou que "tinha a convicção de que ele (o projeto de Transposição) é tecnicamente viável para resolver a questão da seca no Nordeste" (Revista Nordeste No 10, Abril/2007).

A seca, todos sabemos, não atinge somente limites de perímetros urbanos e nem se manifesta, apenas, no colapso de sistemas de abastecimento urbano de cidades inseridas no Semi-Árido nordestino. A seca, muito mais que isso, se manifesta em duas frentes:
· no abastecimento humano, urbano e rural;
· e, principalmente, na produção agrícola, pela quebra da safra devido à ocorrência dos chamados 'veranicos'.

O projeto se propõe solucionar o problema de abastecimento humano urbano, coisa que poderia ser resolvida com os recursos hídricos endógenos das bacias hidrográficas pretensamente receptoras. Mas, não se destina a resolver o problema do suprimento rural, em toda a extensão do semi-árido nordestino. Apenas a população rural no entorno dos canais seria beneficiada. Isto significa dizer que a grande parcela da população rural ficará ao 'Deus dará' das chuvas.

A população humana do meio rural, estimada pelo IBGE para 2005, é de 13.793.526 habitantes para todo o Nordeste, 12.000.000 dos quais estariam no semi-arido.

Nos 4 estados beneficiados pela transposição são 5.286.748 habitantes que, a 50 L/dia, representam uma demanda de 3,06 m³/s.

A demanda da população humana contemplada pelo projeto de transposição é de, apenas, 0,98 m³/s, o que significaria o atendimento de 1.693.142 habitantes que estariam localizados nas proximidades dos canais de transposição (eixos norte e leste). Portanto, 3.593.606 pessoas (68% da população rural dos Estados receptores) estariam excluídas do benefício do abastecimento hídrico. Em relação ao Nordeste, seriam mais de 10.000.00 de excluídos (85,9% da população rural do semi-árido).

Em relação à produção agrícola, o Projeto de Transposição é muito mais ineficiente. A área estimada de cultivo da produção agrícola nos Estados receptores situa-se entre 4 e 5 milhões de hectares, sendo 850.000 ha na Paraíba (já foi superior aos 1.250.000 ha). O projeto considera que os 300.000 ha adjacentes aos 600 km de canais (2,5km em cada margem do canal) são de interesse público, devendo desapropriar esta área para a promoção da reforma agrária e desenvolvimento da agricultura familiar, dos quais 30.000 a 50.000 ha serão destinados à projetos de irrigação de fruticulturas. Gerariam 180.000 empregos diretos e 360.000 indiretos, totalizando 540.000 ocupações trabalhistas.

O projeto não responde a estes e outros questionamentos sociais, correndo o risco de criar novas diferenças de rendas intra-regionais, particularmente, no meio rural, aumentando as diferenças que, teoricamente, pretende diminuir.

Ele tem uma proposta, apenas parcial, dos problemas atuais do semi-árido, faltando uma visão de desenvolvimento socioeconômico de futuro, nos espaços nordestino, estaduais e de bacias hidrográficas que não podem ser planejados de maneira estanque, como é a abordagem desse projeto, voltado, exclusivamente, para a região semi-árida de 4 estados nordestinos. Por conseqüência, desconhece os seguinte fatos e soluções:

· que o abastecimento urbano adequado (disponibilidades 100% garantidas) pode e deve ser feito a partir dos recursos hídricos locais, contidos em reservatórios com capacidade de regularização plurianual;

· que o abastecimento humano rural, poderia ser realizado pela capilarização de adutoras acopladas a chafarizes estrategicamente distribuídos no espaço semi-árido.

O projeto não incorpora o aproveitamento da pequena e média açudagem (estas duas medidas se completam para a solução dos problemas dos efeitos das estiagens, prolongadas ou não, sobre a produção agrícola, desde que sejam executados no espaço e no tempo propícios que é a estação úmida do semi-árido nordestino. Esta deve se fazer de acordo com a sua dimensão, dada por sua capacidade de regularização (vazão 100% garantida) ou, se não a tem, com a capacidade de acumulação, tendo em vista o que determina o artigo 3º, inciso II do Capítulo III da Lei 9.433/97: "a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País". Ora, não reconhecer a disponibilidade hídrica acumulada nos pequenos e médios açudes sem capacidade de regularização é um erro absurdo e não aproveitá-la um desperdício inominável. Eles, os defensores do projeto utilizam o conceito de sinergia como um dos argumentos da transposição. Pois bem, o mesmo conceito de ganho com o uso pode e deve ser aplicado para estes reservatórios menores: o uso será sinérgico se o período de aproveitamento for compatível com a dimensão do reservatório. A vocação do pequeno açude existe (como existe a dos médios e dos recursos hídricos subterrâneos contidos, principalmente, nos aqüíferos aluviais) e não está sendo aplicada: uso na irrigação de salvação, assim entendida aquela que corrige as irregularidades pluviométricas da estação chuvosa (os chamados 'veranicos'), onde todos plantam e a grande maioria perde, ou na irrigação de cultivos de pequeno ciclo, após o período das chuvas, se estas forem regulares como têm sido desde o ano 2.000, ou copiosas como foram em 2000, 2004 e, mesmo, 2006, quando todos os reservatórios pequenos, médios e alguns dos maiores, sangraram.

A SEGURANÇA DA TRANSPOSIÇÃO

Os autores e defensores do Projeto argumentam que ele é seguro porque a sua concepção se baseia na vazão regularizada e 100% garantida pelo reservatório de Sobradinho. Esta vazão é de 1.815 m³/s, segundo técnicos da ANA, Matos, B. A. et al (2004), calculada a partir de uma nova série de dados hidrológicos (1931-2001), para uma vazão média de longo período em Sobradinho de 2.708 m³/s. Vários autores calcularam a vazão de base, componente desta descarga fluvial, a qual se situa em torno de 1.200 m³/s. Os referidos técnicos da ANA calcularam as reservas renováveis do Médio São Francisco (limitado, a jusante, por Sobradinho), as quais seriam de 1.324,5 m³/s, quase da mesma ordem de grandeza da vazão de base. A maior contribuição de água subterrânea a estas reservas e, conseqüentemente, ao escoamento de base vem do aqüífero Urucuia (ver figura a seguir), atingindo os 676,5 m³/s (51% do total).


Este reservatório subterrâneo vem sendo intensivamente explorado para fins de irrigação nas bacias dos rios Grande, Corrente, Urucuia etc. que se constituem nos principais drenos naturais das águas subterrâneas do Urucuia. Esta exploração já vem diminuindo a contribuição do fluxo basal ao escoamento fluvial que chega em Sobradinho e, no futuro próximo, acarretará a redução significativa da vazão de regularização de Sobradinho, com reflexos nefastos na geração de energia e no atendimento de outras demandas, inclusive no projeto de transposição.

José do Patrocínio Tomaz Albuquerque - Hidrogeólogo e Mestre em Engenharia Civil - Área de Recursos Hídricos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
:

Artigos e trabalhos publicados pelo Autor desta palestra correlatos ao tema.

Plano de Aproveitamento integrado dos Recursos Hídricos do Nordeste (PLIRHINE), Relatórios, SUDENE, Recife, 1980.

Projeto ÁRIDAS, Relatório Consolidado, SEPLAN, Brasília, 1994.

Disponibilidade Hídrica, em quantidade e qualidade, demandas e Balanço Hídrico na Bacia do São Francisco. Por: Bolivar A. Matos, José Luiz Gomes Zoby, João Augusto Burnett, Marcelo Pires da Costa e João Gilberto Lotufo Conejo (Técnicos da ANA). VII Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, São Luiz-MA, 30/11 a 03/12 de 2004.

Disponibilidade Hídrica do Sistema Formado pelos Reservatórios Três Marias e Sobradinho na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco para Fins de Alocação de Água. Por: Marcos Airton de Sousa Freitas & Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho. VII Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, São Luiz-MA, 30/11 a 03/12 de 2004.

Plano e Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado da Paraíba, João Pessoa, 1994.

Projeto de Integração de Bacias, Relatório EIA/RIMA.

Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento Integrado da Bacia do Rio São Francisco e de sua Zona Costeira- Relatório Final, ANA/GEF/PNUMA/OEA

Relatório Final à Comissão Especial Suprapartidária da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba sobre propostas de desenvolvimento sustentado para o Semi-Árido Paraibano, João Pessoa, 1999.

Vulnerabilidade Climática, Recursos Hídricos e Energia Elétrica no Nordeste Brasileiro - Relatório da Superintendência de Estudos e Informações Hidrológicas da ANEEL, Janeiro / 1999.


domingo, 29 de julho de 2007

A Luta contra a Transposição e o "Desenvolvimentismo" Neoliberal


* Ruben Siqueira
O desenrolar da luta contra o projeto de transposição de águas do Rio São Francisco para os estados do PE, PB, RN e CE tem evidenciado mais que a trama que envolve o projeto, tem revelado bastante da conjuntura atual do país. Interesses econômicos e políticos os mais diversos, regionais, nacionais e internacionais estão em disputa, os poderosos achando que conseguem se impor. A resistir os lutadores do povo que ainda restam. O Governo Lula, que se diz "de coalizão", costura e potencializa os interesses das elites. O PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento, é o eixo. Grupos e partidos são cevados em vista da continuidade do atual esquema de poder nas próximas eleições (2008, 2010 e 2014). Voltam à ideologia desenvolvimentista e o modo autoritário e repressivo (vide o despejo dos acampados contra a transposição em Cabrobó). Esquecendo tudo o que pregava o PT, remonta-se ao período da Ditadura Militar, quando se fez crer que o crescimento econômico a qualquer custo, bancado pelo Estado, geraria um ciclo virtuoso de desenvolvimento - "crescer o bolo para depois dividi-lo", dizia Delfim Netto, o poderoso Ministro da Fazenda de então, hoje conselheiro de Lula. Sabemos na pele no que deu... O projeto de transposição é o mais avançado do PAC, com obras já inauguradas, consumindo 6,6 bilhões de reais até 2010. O agronegócio, à frente os chamados biocombustíveis, é o setor privilegiado no momento. Vinculado ao capital especulativo, torna-se na principal "lavanderia" de dinheiro ilícito... Para o agronegócio está destinado o grosso das águas da transposição (70% no total e 87% no Eixo Norte). E vêm por aí as Hidrelétricas no Rio Madeira, Angra III e Centrais Nucleares no Rio São Francisco, a Transnordestina, a transposição do Tocantins, etc. O deputado Ciro Gomes (PSB-CE), ele próprio líder do grupo mais interessado na transposição, começa a agir com mais desenvoltura para ser ungido o sucessor de Lula. As obras da transposição, sejam como fator da continuidade da coalizão lulista, inclusive como atrativo de financiamentos de campanha eleitoral, sejam como atrativo de votos das massas, acabam tendo papel decisivo para o atual e futuros governos. Se não der para tudo agora, Lula vai com o Eixo Leste (para Pernambuco e Paraíba), para provar que faz e atrair apoios titubeantes. Por isso o projeto vem sendo imposto autoritariamente, com uma seqüência de infrações às leis. A criação de um Grupo de Trabalho Truká pela FUNAI, para averiguar a pertença da área do início do Eixo Norte aos índios Truká é, na prática, confissão de que o aval dado anteriormente foi irregular. No dia 5/7 o Procurador Geral da República entrou no STF com um pedido de suspensão das obras, baseado no descumprimento das condições impostas pelo Min. Sepúlveda Pertence, em 15/12/06, quando derrubou as liminares que impediam as obras. Impactos ainda não haviam concretamente, agora há. A decisão deve acontecer em agosto. Governadores do Setentrional e lobistas do projeto estão preparando campanha pró-transposição, com recurso público anunciado pelo Ministro Geddel, da Integração. Até um bispo acharam para por à frente, o Arcebispo da Paraíba, D. Aldo Pagotto. Por outro lado, a luta contrária deve dominar os atos do dia 25/7, Dia do Camponês, em vários lugares, inclusive em Aracaju, que deve ter a participação de mais de 10 mil pessoas. De igual modo no Fórum Social Nordestino, em Salvador, de 2 a 5/8. Uma caravana de um grupo de professores e ativistas contra a transposição vai percorrer 12 capitais, entre 12 e 25/8. E não vai ficar só nisso. A polêmica voltou em nível nacional e não deve mais sair, até que se resolva. Está em jogo o futuro do Brasil, mais que do São Francisco e do Nordeste. Continua a submissão de nossas potencialidades aos interesses da minoria daqui e de fora, ou os lutadores do povo que ainda restam conseguirão recolocar a urgência de um projeto nacional, com eixo eco-social?

* Ruben Siqueira, sociólogo, da Comissão Pastoral da Terra / Bahia, é da Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

PEC 524/2002 - Fundo para Revitalização da Bacia do Rio São Francisco

Proposição: PEC-524/2002
Autor: Senado Federal - ANTONIO CARLOS VALADARES - PSB /SE
APROVADA NO PLENÁRIO DO SENADO FEDERAL



Data de Apresentação: 16/04/2002 - CÂMARA DOS DEPUTADOS
Apreciação: Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
Matérias sujeitas a normas especiais: Especial
Proposição Originária: PEC-27/2001
Situação: PLEN: Pronta para Pauta.

Ementa: Acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de instituir o Fundo para a Revitalização Hidroambiental e o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco.

Explicação da Ementa: Incluindo o artigo 84 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; alterando a nova Constituição Federal.

Indexação: Alteração, Constituição Federal, Disposições Constitucionais Transitórias, criação, Fundo para a Revitalização Hidroambiental e o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco, custeio, programa, recuperação, recursos hídricos, meio ambiente, Rio São Francisco, afluente, composição, recursos financeiros, arrecadação, impostos, União Federal.

PARECER DA COMISSÃO ESPECIAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

9/2/2006
COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP)
Encaminhada à publicação. Parecer da Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 524-A, de 2002, que "acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de instituir o Fundo para a Revitalização Hidroambiental e o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco". publicado no DCD de 10/02/06, Pág 7692 Col 01, Letra B.

SITUAÇÃO ATUAL:

17/7/2007 PLENÁRIO da CÂMARA
Matéria não apreciada em face da não-conclusão da apreciação da MPV 374/07, item 01 da pauta, com prazo encerrado.



domingo, 22 de julho de 2007

Conferência Regional dos Religiosos/as do Brasil apóiam ações pelo rio São Francisco


MOÇÃO DE XXI ASSEMBLÉIA GERAL ELETIVA DA CRB NACIONAL


Para:
Opinião pública nacional e internacional,

Ministros do Supremo Tribunal Federal

Articulação das organizações sociais e movimentos populares que acamparam em Carobó (PE).

A 21a Assembléia Nacional da CRB - Conferência dos Religiosos/as do Brasil - congregando no Liceu Coração de Jesus, Largo do Coração de Jesus - Campos Elíseos, em São Paulo nos dias de 16 a 20 de julho de 2007, cerca de 600 Superiores e Superioras Maiores e delegados/as das Congregações e Institutos Religiosos presentes no Brasil, sabendo da luta árdua e justa dos povos indígenas, dos ribeirinhos, quilombolas, sem terra, pequenos agricultores, na bacia do Rio São Francisco em defesa do seu rio; tendo conhecimento dos estudos de expressivos cientistas e estudiosos bem como de lideranças populares de todo o país, em relação à transposição do rio São Francisco, expressa, por meio desta, sua total solidariedade com os movimentos sociais e as entidades de apoio que exigem o cancelamento da transposição do Rio São Francisco e a adoção de outro modelo de desenvolvimento e outra prática participativa e democrática nas decisões que dizem respeito aos bens da natureza, dádiva de Deus, e ao trato do dinheiro público.

Aguarda, com muita expectativa e confiança na justiça, o pronunciamento final do STF, solicitado pelo próprio Procurador Geral da República. Temos clara consciência de que as autoridades não passarão por cima das irregularidades e suspeitas que o projeto apresenta e espera que possa arquivá-lo definitivamente por ser inadequado às expectativas da nação e do planeta.

Transmitimos nosso encorajamento e compromisso de presença solidária para todas as pessoas de boa vontade, na construção de um país mais justo que respeite a vida de seus povos e sua casa comum, o planeta terra e água.. Fazemos nosso o grito animado dos povos do velho Chico.

TRANSPOSIÇÃO NÃO, COMVIVER COM O SEMI-ÁRIDO É A SOLUÇÃO! SÃO FRANCISCO VIVO - TERRA E ÁGUA, RIO E POVO!

Os participantes da XXI Assembléia Geral da CRB
São Paulo, 18 de julho de 2007

in www.EcoDebate.com.br - 21/07/2007
enviada por Clarice Maia e Ruben Siqueira

sexta-feira, 20 de julho de 2007

PGR pede paralisação das obras de transposição do São Francisco
19/07/2007 16:15

Para Antonio Fernando Souza, uma decisão do STF e um decreto de 1990 foram descumpridos.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que seja determinada a imediata paralisação das obras de transposição do Rio São Francisco. Ele quer também que sejam suspensos os efeitos da licença de instalação, até serem satisfeitos todos os requisitos estabelecidos na decisão tomada pelo STF em 18 de dezembro de 2006 e no decreto 99274/90.

No ano passado, o STF indeferiu os pedidos de liminar referentes ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com bacias do Nordeste Setentrional, sob o pressuposto de que, na fase em que o projeto se encontrava - licença prévia - não havia comprovação do início de qualquer ato modificador do meio ambiente.

A decisão do STF ressaltou que deveriam ser atendidas todas as
condicionantes previstas na licença prévia e que, somente após essa
providência, com a devida rodada de audiências públicas, o IBAMA poderia autorizar a realização de obras.

No entanto, a concessão da licença de instalação para os trechos I e II do Eixo Norte e V do Eixo Leste, em 23 de março de 2007, descumpriu algumas das condicionantes e não foi precedida de nova rodada de audiências públicas. O procurador-geral também explica que houve descumprimento ao decreto 99274/90, que exige, para a concessão de licença de instalação, a aprovação das especificações que constam no projeto executivo. No entanto, o parecer técnico 15/2007 IBAMA, que teve por objeto o controle do Plano Básico Ambiental do Projeto e das condicionantes previstas na licença prévia, em momento algum faz referência ao projeto executivo.

Antonio Fernando ressalta ainda que as obras já vem sendo realizadas, conforme relatado em matérias veiculadas na imprensa nacional de que tropas do Exército já se encontram em Cabrobó (PE) para início dos levantamentos topográficos.

O pedido foi encaminhado ao ministro Sepúlveda Pertence.


Licença ambiental para transposição do São Francisco deve ser suspensa, diz PGR
26/01/2007 13:04

Para Antonio Fernando, exigências necessárias a licença prévia não foram integralmente atendidas.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, interpôs no Supremo Tribunal Federal (STF) recurso (agravo regimental) para que seja determinada a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental para a obra de transposição do Rio São Francisco, bem como a suspensão dos efeitos da licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O recurso foi interposto nos autos da ação cível originária nº 876 e demais ações conexas e requer que seja submetido ao plenário do STF na hipótese de não se verificar a reconsideração de decisão que indeferiu os pedidos de liminar.

Para o procurador-geral, “são múltiplas as violações das normas sobre o licenciamento e o uso dos recursos hídricos apontadas nas diversas ações, reveladas em omissões, insuficiências e inconsistências existentes no projeto”. Ele destaca, ainda, “que o prosseguimento do licenciamento sem que as exigências necessárias à expedição da licença prévia estejam integralmente atendidas tem o condão de permitir a prática de atos direcionados à obtenção da licença da instalação, que já possuem potencialidade de provocar danos ambientais”.

No agravo, o PGR pede alternativamente, a suspensão dos atos direcionados à outorga da licença de instalação, até que sejam integralmente satisfeitos os requisitos necessários à regularidade da licença prévia, a imediata oitiva das populações indígenas afetadas e a consulta ao Congresso Nacional nos termos das normas constitucionais já mencionadas, a suspensão dos efeitos do Certificado de Sustentabilidade Hídrica da obra; da outorga concedida pela Agência Nacional de Águas (ANA) e dos efeitos da decisão do Conselho Nacional de Recursos Hídricos que aprovou o projeto em desacordo com os procedimentos previstos.


Maria Cristina Costa
Secretaria de Comunicação
Procuradoria Geral da República
(61) 3031-6400

terça-feira, 17 de julho de 2007

Um outro Nordeste é possível - II FSM











A região Nordeste do Brasil está se preparando para o II Fórum Social Nordestino que acontece de 2 a 5 de agosto. Seis eixos estruturadores – tendo como foco as lutas dos movimentos sociais no Nordeste e o resultado da consulta internacional realizada pelo Fórum Social Mundial em 2006 e 2007 – nortearão a proposta deste II FSNE. O II FSNE é um espaço democrático que defende o respeito aos direitos humanos, a prática democrática participativa, entre outros fatores que se praticados de forma contrária estimulam a dominação e sujeição do ser humano a um contexto neoliberal e fundamentalista.



As inscrições para integrar os grupos de atividades prosseguem até o final do mês. Os participantes podem se integrar às oficinas, seminários, fóruns de lutas e assembléias, empreendimentos solidários e/ou aos grupos artísticos e culturais .
Mais informações no site www.forumsocialnordestino.org.br.

domingo, 15 de julho de 2007

MOÇÃO DE REPÚDIO À TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

A Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT/SE), O Fórum em Defesa do Rio São Francisco, o Instituto Sócio-Ambiental Acauã, a Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado de Sergipe (FETASE), o Centro Sergipano de Educação Popular (CESEP), o Movimento Popular de Saúde (MOPS), a Federação da Pequena e Micro Empresa de Sergipe (Fampeme) e o gabinete do deputado federal Iran Barbosa, reunidos em plenária intersindical e popular realizada na tarde desta terça feira, 3 de julho de 2007, vêm a público repudiar a tentativa do Governo Federal de dar início às obras de transposição do Rio São Francisco para o chamado nordeste setentrional, executado pelo Exército nos municípios de Cabrobó e Petrolândia, no estado de Pernambuco.

As entidades citadas reafirmam sua posição contrária à transposição com base em diversos pontos que têm sido ignorados pelo Governo Federal, que optou pelo autoritarismo ao encaminhar o projeto de cima para baixo, numa demonstração de desprezo pela soberania das populações ribeirinhas e pela participação democrática dos setores da sociedade envolvidos na questão.

Do ponto de vista jurídico, somos contrários à obra por entender que ela afronta a Constituição Federal na medida em que atropela todo o processo legal de solução de conflitos relacionados com os recursos hídricos, entre diversas outras afrontas à legislação;

Do ponto de vista técnico, rejeitamos a idéia considerando que renomados especialistas de todo o País - como os que subscreveram, após análise do tema, o documento oficial com estudos e conclusões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - são enfáticos e convincentes ao apresentar inúmeras razões de ordem técnica que não recomendam a implementação de tal medida;

Do ponto de vista econômico, consideramos que o projeto não respeita o princípio da razoabilidade, uma vez que diversas alternativas mais simples, de menor custo e de muito maior efeito social poderiam ser adotadas em lugar da transposição;

Do ponto de vista ambiental, somos impelidos a rejeitar a proposta levando em consideração as conseqüências desastrosas do desequilíbrio já perpetrado na bacia hidrográfica do São Francisco, resultado da ação secular e contemporânea de exploração econômica do Rio - fato que tem, de há muito, nos motivado a desencadear a luta em defesa da sua revitalização;

Do ponto de vista social, por fim, rejeitamos o projeto porque tomamos partido das famílias de trabalhadores rurais e pescadores cuja sobrevivência depende diretamente do São Francisco. Repudiamos qualquer tentativa de sacrificar ainda mais as comunidades ribeirinhas para beneficiar o interesse de grandes empreendedores ligados à fruticultura irrigada, à carcinicultura, à siderurgia e à produção de agrocombustíveis, entre outros. Assim como a possibilidade de encarecer o custo da água para toda a população nordestina como subsídio a esses grandes usuários.

As entidades citadas manifestam sua solidariedade aos mais de 1.500 manifestantes que, desde a madrugada do dia 26 de junho, ocupam o canteiro de obras inicial da transposição do São Francisco, no município de Cabrobó (PE) - única atitude possível diante da falta de diálogo do Governo Federal. E exige a suspensão imediata das obras em prol de alternativas de desenvolvimento que promovam a justiça social e ambiental e a soberania popular na bacia do São Francisco e no Nordeste.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Transposição do São Francisco: Reféns do equívoco


Os empresários do grande capital, principalmente, serão contemplados com as águas do rio, enquanto as populações difusas, geradoras de votos e as mais carentes em termos hídricos, aquelas que atualmente são abastecidas por frotas de caminhões pipa, continuarão desassistidas

Por João Suassuna*

Recife - Que a transposição do Rio São Francisco é um projeto polêmico, isso todos nós já sabemos. Mas não só polêmico: não temos a menor dúvida em afirmar a existência de falhas técnicas significativas no mesmo, as quais poderão resultar em graves conseqüências para o ambiente natural nordestino.

Vale mencionar, entre outras, a possibilidade real e concreta de interferência nas populações indígenas; o aumento e aparecimento de novas doenças, visto ser a água um excelente veículo condutor; a perda de terras potencialmente agricultáveis; a desapropriações e todos os conflitos que delas decorrem; a especulação imobiliária nas várzeas potencialmente irrigáveis no entorno dos canais; o incentivo à indústria da seca, através da perpetuação do desabastecimento das populações difusas; a interferência no patrimônio cultural das populações atingidas; a perda e fragmentação de áreas com vegetação nativa (de habitat e ecossistemas); a modificação da composição e o risco de redução da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras; o risco de introdução de espécies invasoras; maior número de ocorrência de acidentes com animais peçonhentos; a aceleração do processo erosivo e de carreamento de sedimentos; a modificação no regime fluvial do rio; as perdas na geração de energia elétrica; a eutrofização dos novos reservatórios e, sobretudo, ao prejuízos ao mais vital dos recursos da natureza: a água.

Os últimos acontecimentos relativos ao início das obras da transposição em Cabrobó (PE) têm-nos preocupado sobremaneira, a ponto de conclamarmos o bom senso das partes envolvidas, principalmente do lado das autoridades responsáveis pelo projeto. O diálogo, no nosso modo de entender, é a principal saída para a solução dos impasses ali existentes.

Na nossa militância decana sobre a realidade nordestina, temos revelado a existência de alternativas mais apropriadas e mais baratas para o abastecimento da população, quando comparadas àquela do projeto da transposição. Nos referimos Atlas Nordeste de abastecimento urbano de água, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA), em dezembro de 2006, bem como aos trabalhos de convivência com o Semi-Árido sob a responsabilidade da Asa-Brasil (Articulação do Semi-Árido brasileiro).

Para se ter uma idéia da importância delas, o Atlas Nordeste, que traça também um diagnóstico da situação hídrica da região, traz como pressuposto a perspectiva do abastecimento de um número três vezes maior de pessoas no Nordeste, quando comparado aos beneficiários do projeto da transposição, valendo-se, para tanto, da metade dos recursos previstos naquele projeto. Com a divulgação desse trabalho pela ANA, acreditamos que o governo federal passou à categoria de maior opositor do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, não tendo sentido, portanto, a sua priorização no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Em relação aos trabalhos da ASA-Brasil, voltados para a questão da água, essa instituição propõe a captação da chuva para consumo humano e para produção de alimentos, por meio de um leque de 40 tecnologias, a exemplo das cisternas, barreiros e mandalas. Portanto, o foco dos movimentos sociais é no sentido do abastecimento humano, compreendendo a água como um direito humano fundamental.

Costumeiramente, nos reportamos, em nossos trabalhos, ao uso das cisternas rurais, como uma das melhores alternativas para o abastecimento das populações difusas da região semi-árida nordestina. Uma cisterna de 16 mil litros, por exemplo, tem capacidade para ofertar, a uma família de 5 pessoas, durante os 8 meses sem chuvas na região, água de boa qualidade para beber e cozinhar.

Entretanto, caso o governo federal venha iniciar o projeto da forma como está conduzindo as negociações, certamente estará cometendo um grande equívoco, o que, na realidade, será uma lástima. Aliás, já tivemos a oportunidade de comentar essas questões no artigo "Na iminência do primeiro equívoco", escrito em 2003.

Lamentamos, no entanto, a ótima oportunidade desperdiçada de se negociar essas questões do Nordeste Semi-Árido junto ao governo federal. Após o Santo jejum do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, o governo havia iniciado um processo de negociação junto aos movimentos sociais, fato interrompido pela proximidade do período eleitoral do ano passado e pela cassação da liminar que impedia o início das obras transpositórias. Imaginávamos, no entanto, que uma vez encerradas as disputas eleitorais, o governo voltasse à mesa de negociações. Ledo engano. O que se viu foi um governo livre de empecilhos e motivado à imposição do projeto goela abaixo do nordestino, pondo por terra todas as possibilidades de saídas dignas de seu convívio com as secas que freqüentemente assolam a região.

Outra questão que tem-nos preocupado sobremaneira diz respeito à divisão do Nordeste causada, principalmente, pela disputa das águas do Velho Chico.

Consta no projeto apenas o benefício dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, o que praticamente ocasionou o desmembramento do Nordeste em duas partes: a região setentrional (aquela que irá receber as águas do São Francisco) e a região meridional (aquela que irá exportar as águas do rio). Esse fato não foi bem recebido pela população da sua parte meridional, tendo em vista ficar a região como mera exportadora de água, sem que seus habitantes tivessem participação efetiva no projeto. Isso gerou descontentamentos, o que julgamos indesejável, principalmente tendo em vista ser o São Francisco o rio da integração nacional, não devendo, portanto, servir de motivos para discórdias entre o povo nordestino. O Nordeste deveria ser considerado de uma forma global, com seus estados participando tanto das discussões como das soluções de seus problemas.

Essa questão da divisão do Nordeste ficou evidenciada recentemente em reunião realizada no Recife, na qual participaram os governadores dos estados da região setentrional, para discussão do apoio ao início das obras do projeto de transposição. A reunião foi importante porque evidenciou, de um lado, o poder de articulação dos atuais dirigentes daqueles estados, mas, de outro, deixou a desejar, pelo simples fato de não se ter dado enfoque às principais questões regionais, notadamente o abastecimento das populações difusas circunscritas no Polígono das Secas. Nesse sentido, a reunião poderia ter sido muito mais proveitosa, se realizada com a participação dos governantes de todos os estados nordestinos que sofrem a influência do fenômeno das secas, inclusive o do estado de Minas Gerais, principal exportador das águas do Velho Chico, tendo como pauta principal a discussão das propostas existentes no Atlas Nordeste do abastecimento urbano de água e a sua importância para a solução definitiva dos problemas de abastecimento de todo o Nordeste.

Para se ter idéia da importância dessas propostas, existe no Atlas da ANA a indicação de solução para os problemas de escassez hídrica na região agreste do estado de Pernambuco, através da adução (uso de tubulações) das águas do rio São Francisco. Por que não implementar essa proposta, ao invés de se começar a construir o faraônico eixo norte, em Cabrobó, cujos benefícios passarão à margem do estado? A primeira alternativa seria a mais sensata.

O foco do eixo norte é puramente econômico. Isso todos nós sabemos. Visa tão somente o benefício do agronegócio nos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, numa prova de total desrespeito ao que foi deliberado pelo comitê da bacia do São Francisco, no plano decenal de uso de suas águas. Segundo consta neste plano, o uso das águas do rio, fora de sua bacia hidrográfica, é permitido apenas para abastecimento humano e animal, isso em caso de comprovada escassez.

Caso seja iniciado o projeto, entendemos que os governadores dos estados do Nordeste setentrional ficarão reféns das conseqüências desse equívoco. Os empresários do grande capital, principalmente irrigantes, industriais e carcinicultores, serão contemplados com as águas do rio, enquanto as populações difusas, geradoras de votos e as mais carentes em termos hídricos, aquelas que atualmente são abastecidas por frotas de caminhões pipa, ao perceberem que o projeto é revestido de pura ilusão, ficarão revoltadas, o que poderá resultar em desgastes políticos de conseqüências imprevisíveis.

Diante de tudo isso, cremos que ainda há tempo para se refletir sobre essas questões, envidar esforços para o retorno das negociações interrompidas e torcer para que o bom senso prevaleça na volta desse diálogo. É o que desejamos para o bem comum.

*João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

A Razão ultima da Transposição - Roberto Malvezzi(Gogó)


Ainda na década de 80 um grupo de jovens empresários e políticos chegou ao poder no Ceará, capitaneado por Ciro Gomes e Tasso Gereissati. Eles tinham derrubado velhas e atrasadas oligarquias cearenses incrustadas no poder.
Ao chegarem ao poder concebem, ao seu modo, um modelo de desenvolvimento moderno, projetando a indústria do turismo para as belas praias cearenses e um pólo econômico que inserisse o Ceará na economia globalizada. O projeto econômico por eles concebido baseava-se na posição geopolítica do Ceará, muito mais próximo dos Estados Unidos e da Europa. Nessa lógica, os produtos por ali exportados, chegariam mais baratos ao mercado consumidor do chamado primeiro mundo.

Para tal era preciso ter um porto no Ceará de grande porte. Foi feito o porto de
Peçém. Para drenar os produtos de exportação era necessária uma malha ferroviária que trouxesse grãos, frutas e demais produtos até o porto. Foi pensada a ferrovia Transnordestina. No porto foi pensado um complexo industrial com uma siderúrgica, numa costura com empresas nacionais e transnacionais do aço. Para funcionar a siderúrgica era necessário trazer o gás, em debate esses dias com a Petrobrás por causa do preço. Finalmente, para movimentar todo esse projeto à indústria, irrigação, siderurgia, depois surgiu o camarão - era preciso água. O Ceará então fez a integração de várias de suas bacias e construiu o Castanhão para receber as águas do São Francisco, projetou a firme decisão de realizar a transposição, já que temem a falta de água para consumo humano caso todo esse uso econômico seja efetivado. A água era a peça que faltava. Portanto, sem a transposição o quebra cabeça econômico não se fecha.

Para implementar esse projeto o grupo desenhou a conquista do poder político. Era necessário manter o poder no Ceará. Então, no melhor estilo dos antigos coronéis, o grupo se dividiu pelos vários partidos políticos é a exemplo dos Coelhos em Petrolina - de forma que sempre à alguém do grupo que controla o partido, portanto, sempre alguém do grupo chega ao poder. Um velho coronel do sertão nordestino definiu assim essa tática: é ou dá na cabeça, ou na cabeça dá. De forma que o grupo controla alternadamente o poder no Ceará vinte anos. Para ter apoio regional, chamou a Paraíba e Rio Grande do Norte para também receberem água da transposição. Mais tarde o Pernambuco será incorporado, ao cobrar sua cota por ser estado doador e atravessado pelos canais.

Mas não bastava o Ceará e a região, era preciso ter base política no governo central. A tática escolhida foi de estarem sempre próximos do governo eleito, ocupando um ministério que fosse o responsável pela obra. Dessa forma o grupo controlou o Ministério da Integração por quase vinte anos. Só agora perdeu, em parte, para a Bahia, mas no sentido de quebrar as resistências baianas ao projeto.

A grande chance de materializar o projeto surgiu na eleição de 2002. Ciro foi candidato à presidência e perdeu para Lula e Serra no primeiro turno, mas foi muito bem votado
. Então, no segundo turno, costurou uma aliança política com Lula, isto é, apoio eleitoral em troca do apoio ao projeto econômico do Ceará. Lula, que sempre questionara a transposição, aceitou. Venceu a eleição e nomeou Ciro ministro da Integração O resultado nós temos diante de nossos olhos.

Não há problema que uma região tenha seu projeto econômico, pelo contrário, é até legítimo. O inaceitável é mistificar o projeto em nome da sede humana, quando seu interesse é abertamente econômico. Para resolver o problema da sede temos soluções muitos melhores, baratas e eficientes que é o Atlas do Nordeste para o meio urbano e as obras da ASA para o meio rural. Porém, discutir a transposição na ótica do econômico é discutir uma outra lógica, isto é, qual a prioridade do uso da água e quais atividades econômicas são realmente sustentáveis em termos hídricos no Nordeste. Se a elite cearense - que comanda o projeto - e o governo Lula tivessem aberto o jogo desde o início, talvez o próprio Nordeste teria se beneficiado melhor do debate. Acontece que o porto de Peçém apresenta problemas de calado para receber grandes navios, a Petrobrás foi obrigada a subsidiar o gás por determinação de Lula, há resistências sérias à transposição de águas do São Francisco e o pólo siderúrgico tem sido questionado publicamente como inviável. Portanto, sem uma visão de conjunto e sem um debate claro sobre o objetivo econômico da transposição, estaremos debatendo apenas as fantasias postas pelo governo na mídia, mas não a razão última da transposição.

Roberto Malvezzi(Gogó) - é membro da Coordenação Nacional da CPT (Comissão Pastoral da Terra)

Brasil: Evangelho do Velho Chico. Primeiro e Segundo Testamento.


PRIMEIRO


No princípio era o Rio e o Rio vinha de Deus e sem ele nada vivia.

Quando o Rio descobriu seu curso desenhou suas curvas e saliências assim...

séculos de aprendizagem e constância de águas pela fenda íntima da Canastra Opará.

O Rio nasce mineiro antes das Minas e avança margeando suas próprias margens inventando sua geografia recebendo interferências de pedras, cerros e serras e outros rios mais antigos que ele

Paraopeba, Abaeté, Rio das Velhas, Jequitaí, Paracatu,Rio Corrente, Urucuia, Carinhanha, Verde Grande.

Desvia, engana e rodeia insiste no percurso até se fazer baiano antes da Bahia.

Acumula vestígios debruçando sob seu leito lamas, areias e folhas desesperadas por redemoinhos da passagem.

Firme

o Rio sabe onde quer chegar e empina seu fluxo dobrando a terra com sua língua molhada e lambe miudezas de animais enormes nadadoras escamas luminosas jardins submersos de escuridão e, em sua invenção persistente que não conhece dia ou noite a não ser pelas histórias que ele cospe na beira de fantásticas memórias de Pankararu, Atikum, Kimbiwa, Truka, Kiriri, Tuxa e Pankarare e nomear barcos, canoas, embarcações remos gentis navegam conhecendo a correnteza abrindo sulcos garimpando lendas esculpindo carrancas de renhidos dentes o desconhecido.

O Rio dorme e com ele e nele todos os seres dormem.

As águas têm sono leve os afogados se aquietam e param de gritar os peixes bóiam e a cobra perde seu veneno a mãe d´água aproveita o silêncio para enxugar seus cabelos e os barcos fingem que não existem mais enquanto o Rio dorme.

O Rio míngua finge que se esquece, deixa de correr desbotando toda forma de vida que não o conhecer Convive com todas as desistências de climas e aridez partilha do racasso assíduo da população da beira ribeirinhos,quilombolas resistentes e enfrenta ele mesmo sua imensidão seu medo de morrer e ressurge caudaloso aos poucos tímida altivez que engole águas improváveis novíssimas de afluentes parcimoniosos e generosos de umidade imensa alma do sertão.

"Sabeis assim que sou pobre", "mãe e pai de todo o povo."

O Rio cabeceia e vence rompe em cheia e força e despenca em cachos de espuma pleno imenso glorioso lânguido de indecisão quer ser Pernambuco sem deixar de ser Bahia e arrisca o duplo acostumando suas margens a estar ao mesmo tempo em mais de um lugar.

Tem pressa! Já pressente o mar mas se atrasa em detalhes do contraditório exercitando a aridez com promessas de grão e se deixa ficar em Cabrobó e Petrolina.

... e avança pelo fio tênue que inventou Sergipe e Alagoas antes de existirem e se atira em direção ao mar abandonando sem querer Piranhas e Gararu.Invadindo o mar de igual pra igual adeus! Piaçabuçu.

E morre doce:

cumpriu seu destino inventou a terra e foi morrer no mar.





SEGUNDO


E o Rio se fez beira e habitou entre nós. Um Rio assim tem nome de Santo Francisco de antes, Chico mais conhecido. Leitor assíduo das linhas de Deus e suas criaturas na palma da mão que feito cuia serve água aos bebericos ao Nosso Senhor e todos os jegues de sua infância e todos os jegues de sua paixão. Ensina a nadar os peixes e a multiplicá-los pelas mãos de milagreiros pescadores e fêmeos milagres de acabar com a fome. E quando visita a roça engravida a mandioca de perdão, grão e farinha Santa Eucaristia. E conhece o corpo banha suas dores cura nos aflitos a sofreguidão. Quando o céu se abre batiza os mais pequeninos. Eis! meu Rio amado em suas águas há profecia, evangelho e sabedoria de arrastar demônios e curar o mundo. Paira sob suas águas o Divino Espírito Santo. Recebe os tecidos de lázaros vestidos da morte de todo dia que trazem as santas mulheres que descem na beira do Rio para a Transfiguração Boa Hora da Lavação. Esfregam pecado e ira ensaboam sangue e suor e trazem de novo à vida panos, roupas e seus viventes quarados no sol do agreste e acenam com louvor ao Rio varais de Ressurreição. E quando chega sua hora da morte e da traição puído de sobra e lucro, desmatamento e queimada, desmando e poluição, carrega os pecados do mundo, esgoto e mineração, projetos mirabolantes de cercas de irrigação e insiste em ser bacia dos pobres: de joelhos toma os pés do mundo e se entorna em aguapés. De tortura em tortura abrem em seu corpo as chagas com obras e ambição e crucificam o Velho Chico na cruz da Transposição. E o céu rasga o véu da verdade sísmicos abalos dos fatos do que diziam os profetas, ecologistas e poetas, geógrafos e adivinhas: Não se mexe no curso de um Rio que junta terra e céu, bicho e povo, o que foi e o que pode ser numa rede fina de vida. Esta é a hora! Esperamos ativamente a Páscoa de ressurreição e ver de novo o Velho Chico "bater no meio do mar dormir ao som do chocalho e acordar com a passarada sem rádio, sem notícia das terras civilizadas."

Nancy Cardoso Pereira * Pastora metodista e membro da CPT.


Dom Luis Cappio



Não devemos ver o rio São Francisco apenas como um acidente geográfico, com um olhar técnico. Para o povo beiradeiro ele é pai, mãe e irmão da população. Faz parte da nossa vida. Temos com ele, uma relação afetiva. Ao amanhecer os pescadores, na beira do rio, colocam as mãos nas suas águas, fazem o sinal da cruz, lavam o rosto não apenas como quem está fazendo uma higiene, mas como quem se benze com a santidade das suas águas. Dom Luis Cappio Bispo da Diocese de Barra - Bahia