sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Vale uma vida a causa do Rio São Francisco?

Vale uma vida a causa do Rio São Francisco? Entrevista com o teólogo
Fernando Altemeyer
20/12/2007
http://www.ecodebate.com.br/Principal_vis.asp?cod=7055&cat=

Jejum do bispo de Barra é um gesto cristão legítimo, mas é preciso definir
se o resultado será um bem maior, afirma Altemeyer.Entrevista de Marcos
Guterman, estadao.com.br, publicada pelo O Estado de S.Paulo, 19/12/2007
O teólogo Fernando Altemeyer, ouvidor da Pontifícia Universidade Católica
(PUC) de São Paulo, conhece pessoalmente o bispo Luiz Flávio Cappio, que
está em greve de fome desde dia 27 contra a transposição do Rio São
Francisco. “O bispo não é um panfletário, um esquerdóide. É um homem de
profunda espiritualidade”, afirma Altemeyer em entrevista ao
estadao.com.br. Para ele, não é possível julgar a atitude de d. Flávio à
luz da doutrina da Igreja Católica - ou seja, não é possível falar em
suicídio ou em martírio - e “qualquer interpretação é temerária”.

Altemeyer diz que entregar a vida por quem se ama é, de qualquer modo, um
gesto cristão genuíno. Mas ressalva que a questão é mensurar qual a causa
pela qual o jejum é feito: “Esse jejum terá como conseqüência algo maior
do que a vida do bispo? O que eu faço tem de resultar sempre em um bem
maior; do contrário não vale.” A seguir, os principais trechos da
entrevista:
Do ponto de vista da doutrina da Igreja Católica, o que d. Luiz Flávio
Cappio está fazendo é tentativa de suicídio ou martírio?

Nem uma coisa nem outra. A doutrina católica não legisla sobre esse tema.
A questão está fora da doutrina, ao menos da forma oficial. Trata-se de um
gesto de consciência, de uma forma de pressão de um líder religioso,
decidida em oração, e a Igreja Católica não tem como interferir. É claro
que a vida é um valor maior, mas esta é uma questão delicada, não há uma
legislação específica. Qualquer interpretação é temerária. Existe a
interpretação positiva, isto é, posso elogiar a ação do bispo e dizer que
seu gesto é como o de Jesus. Não há prova de amor maior do que dar a vida
por quem se ama. Pode-se dizer que ele encontrou o caminho da entrega da
vida, como quiser e quando quiser. Mas posso ler negativamente também: a
vida é de Deus, há outros caminhos de ação, e o bispo, afinal, não é
Jesus, que pode ressuscitar. A cruz de Cappio é uma cruz sem retorno. Pela
bioética, pode-se dizer: “Bem, vamos pensar em alternativas religiosas que
passem por outras vias.” O gesto do bispo está numa linha limítrofe. Buda
fez jejum, o profeta Maomé fez jejum, o judaísmo prescreve o jejum. O
jejum é um preceito religioso, mas a questão é a causa pela qual o jejum é
feito. Dar a vida pelo outro é um gesto cristão, mas será que essa causa,
a do Rio São Francisco, é maior do que a vida do bispo? O Rio São
Francisco vale o jejum? Esse jejum terá como conseqüência algo maior do
que o bispo? O que eu faço tem de resultar sempre em um bem maior; do
contrário não vale.

Como o Vaticano deveria se posicionar a respeito do caso?
Não sei. Se seguir a praxe, vai pedir que o bispo suspenda a greve.
Como vê a atitude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, de
promover jejuns solidários para apoiar d. Luiz Flávio?

O jejum na época do Advento (que antecede o Natal) é obrigatório. É que
aqui todo mundo fica pensando em comprar o peru, mas o Advento é um
período de frugalidade, tanto quanto a Quaresma (período de preparação
para a Páscoa). Olhe, eu conheço o bispo Cappio pessoalmente. Ele não é um
suicida, um panfletário, um esquerdóide. É um homem de profunda
espiritualidade, é profundamente bom e simples. Se um homem dessa
envergadura está fazendo isso, a CNBB só deveria apoiar. No Livro de Jonas
(Antigo Testamento), Deus se arrepende e muda de opinião por causa do
jejum do povo. O jejum mexe com Deus. A CNBB quis enfatizar isso. Talvez
Lula também mude de opinião.

Quem é:
Fernando Altemeyer
É teólogo, especializado m Cristologia, e sua área de atuação inclui temas
como humanismo, compaixão e diálogo inter-religioso, além de educação
universitária. Ocupa atualmente o cargo de ouvidor da PUC de São Paulo.

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