sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Corriere della Sera: Brasil, o jejum do bispo paralisa Lula

14/12/2007


Dom Cappio: “Voltarei a comer somente quando o projeto de Transposição for cancelado e o exército tiver saído das obras.”
Suspenso por um Tribunal Federal o projeto de desviar o Rio São Francisco. Publicado no principal Jornal da Itália, Giornale Corriere della Sera, 13 dicembre 2007, Itália.


Sobradinho (Brasil) – Um bispo emagrecido com o hábito franciscano, um rio que deve ser defendido, uma luta quase impossível. “Mas eu vou adiante, até que o Presidente Lula e o Vaticano saibam de que fibra é feito Dom Cappio, piemontese verdadeiro”. Sorriem Gianfranco, Rita e Rosa Maria e passam ao frei um copo d’água, um pouquinho de sal e duas colherinhas de açúcar. É o único alimento que Dom Luiz Flávio Cappio, 61 anos, filho de emigrantes vercellesi, ingere há 17 dias, aqui em uma capela no meio do Sertão, o deserto do Brasil. É a mais clamorosa greve de fome feito por um prelado (um bispo) e o sinal do embaraço é o silêncio. “Do Núncio apostólico e de Roma nem um telefonema”, diz. “Não são de acordo comigo? É provável, nem meus familiares. Porém, meus familiares estão aqui me ajudando”.

Há muitos anos que Dom Luiz luta contra o sonho perseguido por muitos governos do Brasil, subtrair água do curso do rio São Francisco, um gigante de 3.000 quilômetros, para irrigar uma vasta região semi-árida e pobre. É a terra onde nasceu Lula, e o próprio é ex-migrante que quer deixar ao Brasil a grande obra por antonomásia, dois braços que recebem água do rio, e um sistema de canais para cobrir uma área onde vivem 12 milhões de habitantes. O projeto foi aprovado, financiado e teve o ok do impacto ambiental. O governo sustenta que a água retirada do curso principal não supera 1,4% da água do rio e as vantagens serão enormes. Para o bem-estar das famílias e a economia local. O bispo está na 2a greve de fome, protesto. Dois anos atrás, dom Cappio voltou a comer após 11 dias. Preocupado, Lula prometeu uma pausa de reflexão sobre o projeto e o início do diálogo. “Uma mentira – explica -. Não discutimos nada e o governo iniciou a obra. Com a chegada do exército, iniciaram a escavar a terra, decidi recomeçar meu jejum. E ir adiante, até às extremas conseqüências”. Pois é o político que fala: “O projeto é belo somente na ótica dos empreendedores, do agronegócio e da assim chamada economia globalizada”.

A água servirá para irrigar os grandes latifúndios e do deserto surgirá fruta e vinho para exportação. Ao povo não sobrará nada. Se quisessem, poderiam tirar água que já existe no Nordeste, construir um aqueduto. Lula é uma grande desilusão, para mim e para todos os movimentos sociais do Brasil que o apoiaram”. Na Capela de São Francisco, escolhida como sede do protesto próximo ao lado artificial de Sobradinho, se aglomeram todos os dias voluntários e militantes. Há bandeiras vermelhas e computador para informar o mundo. O bispo alterna oração e conversa com o povo e coletiva à imprensa, mas a cada duas horas é convidado pelos familiares a repousar. Está bastante bem, perdeu somente 4 quilos. Nada de staff médico, somente um amigo que lhe mede a pressão. Diz que a Conferência Episcopal brasileira está apoiando-o, e pouco importa as altas hierarquias. Insistimos sobre a contradição: um religioso não pode suicidar-se, a Igreja não pode apoiá-lo. “A morte individual é um detalhe, um moralismo. Em teologia o bispo é o pastor que dá a vida pelo rebanho, não é o proprietário da sua vida. Eu não posso trair a minha missão, estou ao lado de uma sociedade marginalizada há séculos, o Nordeste brasileiro é uma vale de lágrimas e dor”. “A minha luta está fazendo acordar os movimentos sociais, adormentados desde quando Lula assumiu o poder”.

É um desafio, sim, a resposta a uma desilusão. “O Presidente levantou os ombros quando lhe disseram que eu tinha recomeçado o jejum. Está se tornando uma moda, disse ele. Não creio Lula, não pode se tornar moda uma coisa assim dura, tremenda. Eu te asseguro com o meu corpo”. Terça-feira (11/12), chegou uma sentença da justiça federal, que suspende as obras do rio. “Não me basta. O governo federal pode derrubá-la. Eu voltarei a comer somente quando se verificarem duas condições: “o projeto for cancelado para sempre e o exército ir embora daqui”. O irmão Gianfranco é otimista, e trágico ao mesmo tempo: “Roma já deve saber: O Brasil não pode festejar o Natal com o cadáver de um bispo católico morto pelo seu povo”. Dom Luiz fala italiano, mas tem medo de dizer muitas palavras no dialeto piemontese e desiste súbito. Quando foi ordenado, a primeira coisa que quis fazer seu pai foi levá-lo ao lugar de nascimento, Occhieppo Superiore, hoje Província de Biella, e fazer com que ele celebrasse uma missa. Voltemos a falar de Roma. Há sempre a obediência aos superiores nas regras eclesiásticas, por que não tentam convencê-lo a parar com o jejum? “A um bispo se dá conselhos, não ordens. Podem pedir, mas não fizeram. E, pois, entre o Papa e um bispo não há intermediários”. E se chamasse o próprio Papa pedindo a ele para desistir? Dom Luiz pára um segundo. “Não acontecerá jamais, não discutamos sobre sonhos”.

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Reportagem de Rocco Cotroneo.
Tradução feita por frei Gilvander Moreira

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