sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Programa constrói no Nordeste só 20% das cisternas pretendidas

O P1MC -

Programa constrói no Nordeste só 20% das cisternas pretendidas

Carolina Mandl

[Valor Econômico] Miram Cavalcante Ferreira, moradora de 51 anos da área
rural de Soledade (PB), vai casar o filho. Zelosa, quer tornar a vida dele
de casado tão confortável quanto aquela que ele tem hoje. Mas no rol de
preocupações dela não está a mobília da casa nova, a viagem de lua-de-mel
ou a festa. Ela está é atrás de um bem que nunca figura nas tradicionais
listas de presentes de casamento: uma cisterna.

O filho de Miram é apenas um dos 4 milhões de moradores do semi-árido
brasileiro que ainda vivem sem a garantia de ter água para beber. A mãe
não quer que o filho passe pelas mesmo dificuldades que pouco mais de uma
década atrás ela passou até ter uma cisterna instalada em sua casa. "A
gente usava água em que bicho mijava e acabava pegando doença de toda
qualidade", lembra-se. Por isso, a agricultora quer que o programa Um
Milhão de Cisternas (P1MC) construa um reservatório no quintal da casa
dele.
O projeto, criado em julho de 2003 pela Articulação no Semi-Árido
Brasileiro (ASA) e que tem como maior financiador o governo federal, se
propõe a construir 1 milhão de cisternas em cinco anos, levando água de
beber a cerca de 5 milhões de moradores.

Entretanto, faltando menos de um ano para o fim desse prazo, foram
instaladas apenas 220 mil cisternas, que levam água a 1 milhão de
habitantes do semi-árido. Ou seja, pouco mais de 20% da meta traçada foi
cumprida até agora.

De acordo com as entidades que estão envolvidas no projeto ou já fizeram
parte dele, não existe uma explicação única para o descumprimento da meta.
Mas todos os agentes são unânimes em afirmar que o P1MC não é a simples
construção de cisternas e, por isso, ele está sujeito a percalços.

"O programa ensina as pessoas a conviver com o semi-árido. As cisternas
são entregues cheias de conhecimento. Portanto, não pode só ser avaliado
só pela construção dos reservatórios. Se fosse assim, era só chamar uma
empreiteira que seria mais rápido e até mais barato", afirma Fabio
Atanasio, coordenador do escritório de Belém do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), que ajudou na elaboração do projeto e chegou a
colaborar com ele.

A cada cisterna entregue, a ASA precisa treinar os pedreiros da comunidade
para construí-la e ensinar a população a lidar com o reservatório: como
armazenar a água, evitar a contaminação e até em que casos usá-la. Até o
momento, cerca de 5.600 pedreiros foram capacitados pela ASA. Para tornar
o aprendizado mais fácil, até cordéis são usados no processo.
"Superdimensionamos a capacidade da sociedade civil", avalia o coordenador
do Unicef.

Para a ASA, gestora do projeto, a resposta para o atraso está tanto no
próprio modelo de construção das cisternas quanto no apoio do governo
federal, que até hoje financiou cerca de 85% dos R$ 289 milhões empregados
no P1MC.

Os recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome são
desembolsados aos poucos para a ASA, por meio de contratos. Ao término de
cada um deles, o período de prestação de contas, auditoria e liberação de
mais dinheiro leva, segundo Aldo dos Santos, coordenador da ASA, cerca de
dois meses. Ao todo, desde 2003, o P1MC ficou parado por cerca de seis
meses.

"A cada vez que se desmobiliza os grupos, leva-se um tempo para
organizá-los de novo." Em outubro, venceu um contrato com o governo
federal. Desde então, não se constrói mais nenhuma cisterna no semi-árido
até o término da fiscalização. Hoje, 5 mil pessoas devem participar de um
evento em Feira de Santana (BA) para pedir uma maior continuidade na
liberação da verba. "Quando se olha o número é só um quarto do programa
cumprido, mas, se comparado a outros projetos, o P1MC está sendo exitoso",
diz Santos.

A agricultora Severina Nascimento Gomes, 34 anos, lembra-se dos tempos em
que tinha de andar a cada dois dias 30 minutos para chegar a uma cisterna
comunitária em Caiçara, distrito de Soledade, cidade do Cariri paraibano a
70 quilômetros de Campina Grande. "A gente chegava lá e não tinha mais uma
gota d´água. Agora, todo mundo é milionário", diz Bil, como é conhecida.
Hoje, a sua propriedade tem duas cisternas com capacidade para 16 mil
litros d´água mais um tanque de pedra, um reservatório que se faz
aproveitando as formações rochosas do solo.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que apóia o Um Milhão de
Cisternas desde o início, está agora fazendo uma pesquisa de campo para
detectar tanto os benefícios sócio-econômicos quanto possíveis falhas do
programa. O estudo também ajudará a entidade a definir se continuará
financiando o projeto ou não. "A partir disso conseguiremos detectar o que
pode ser melhorado. Mas consideramos que o fato de não se atingir a meta
inicialmente traçada não seja um demérito", diz Sônia Favaretto, diretora
de responsabilidade social da Febraban.

Na avaliação de alguns agentes, a construção de cisternas só será
acelerada com o envolvimento dos municípios. "Sozinha, a ASA não tem como
construir tudo. Os municípios também deveriam deveriam participar do
processo. Não compete à sociedade civil substituir o Estado. O papel dela
é exercer a democracia, fiscalizar a atuação dele. Enquanto se discute se
o programa deve ou não contar com o apoio das prefeituras, tem gente
precisando da água", afirma Atanasio, do Unicef.

O tema, entretanto, ainda é bastante polêmico dentro da ASA. "Concordo que
o programa ainda precisa melhorar o relacionamento com as prefeituras, mas
a lógica do governo ainda é bastante ligada ao clientelismo", explica o
pastor Arnulfo Barbosa, diretor-executivo da Diaconia, entidade religiosa
responsável pela construção de cisternas em Pernambuco e no Rio Grande do
Norte. Ele relembra um passado nada distante, em que caminhões-pipas e
cisternas eram usados como moedas de troca por políticos.

Procurado pela reportagem por três semanas, o Ministério do
Desenvolvimento Social não atendeu aos pedidos de entrevista sobre o
atraso no P1MC.

Novo projeto leva água à agropecuária
De Soledade (PB)

A Articulação no Semi-Árido (ASA) começa a testar agora um novo modelo de
cisternas. É o programa Uma Terra e Duas Águas, conhecido como P1+2. O
objetivo é suprir as famílias do semi-árido com água de beber e introduzir
o manejo dos recursos hídricos para as atividades agropecuárias.

O projeto-piloto teve início em janeiro deste ano e sua meta é instalar
144 tecnologias que permitam às famílias também manter uma atividade
econômica no semi-árido por meio da captação da água da chuva. São exemplo
desses métodos as barragens subterrâneas, que acumulam em regiões baixas a
água da chuva no subsolo, e os tanques de pedra, feitas com o
aproveitamento de formações rochosas.

Nessa fase inicial, aproximadamente 800 famílias devem ser beneficiadas,
com um investimento de R$ 4 milhões. Entre os financiadores estão a
Petrobras e a Fundação Banco do Brasil.

Mesmo sendo o governo federal o maior contribuidor para o programa Um
Milhão de Cisternas, a ASA é contrária à transposição do rio São
Francisco. Para a entidade, são as soluções simples e baratas que podem
tirar os habitantes do semi-árido da condição de sede e fome. (CM)

matéria do jornal Valor Econômico - 13/11/2007

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