sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Promovido pelo Grupo Associados, seminário discute viabilidade e impacto das obras de transposição das águas do São Francisco


Estado de Minas. Belo Horizonte, quarta-feira, 14 de novembro de 2007. Nacional.

POLÊMICA

Velho Chico entra em pauta

Promovido pelo Grupo Associados, seminário discute viabilidade e impacto das obras de transposição das águas do São Francisco. Projeto vai custar R$ 3,4 bilhões aos cofres públicos

Izabelle Torres

Brasília – Apontada como a mais polêmica e cara obra do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a transposição do Rio São Francisco foi debatida ontem por ambientalistas, representantes da sociedade civil e técnicos do Ministério da Integração Nacional, durante o seminário São Francisco: a realidade de um rio, organizado pelos jornais Correio Braziliense, Estado de Minas e Diário de Pernambuco, do Grupo Associados. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, esteve presente à abertura do evento, realizado no Hotel Blue Tree, em Brasília, e transmitido ao vivo para Belo Horizonte e Recife, onde foi acompanhado por especialistas.

Durante o seminário foram discutidas as mais diversas formas de conciliar o interesse da população que sofre os efeitos da seca com a necessidade de preservação do rio que, segundo especialistas, tem sofrido um processo intenso de desgaste e assoreamento. A obra de transposição está orçada em R$ 3,4 bilhões. Segundo o Ministério da Integração Nacional, depois de concluído, ela deve beneficiar 15 milhões de pessoas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O projeto de transposição, iniciado em agosto pelo governo federal, pretende construir barragens para desviar cerca de 1,4% da vazão do rio.

Em debates cheios de argumentos, ficou comprovado que a proposta de transposição está longe de ser unanimidade. De um lado, integrantes do ministério listaram os benefícios da obra, citando, por exemplo, a chegada das águas do rio a regiões castigadas pela seca. Por outro, ambientalistas destacaram o desgaste natural sofrido pelo curso d'água e foram radicais ao afirmar que o Velho Chico não sobreviverá ao desvio de água previsto no projeto.

Argumentos Essas divergências foram destacadas pelo diretor-executivo do Estado de Minas, Álvaro Teixeira da Costa. Ao abrir o seminário, ele citou argumentos de defensores e críticos do projeto. Álvaro Teixeira da Costa disse que o assunto não pode ser tratado sem levar em conta o interesse da população que vive às margens do rio e que depende de suas águas.

Ao citar um dos principais argumentos de divergências, ele falou do temor de estudiosos de que a integração sobrecarregue a bacia, abordando também a afirmação do governo, de que o volume de água transposto corresponderá a apenas 1,4% da vazão do rio, um percentual insignificante. Em seu discurso, o diretor-executivo do Estado de Minas analisou projetos de transposição realizados em países como Estados Unidos, Peru e Espanha, e lembrou que a mídia tem papel determinante na divulgação das posições de quem se manifesta de maneira contrária ou favorável ao projeto. "A bandeira de quem depende de suas águas não tem cor. O Rio São Francisco é de todos nós. Por isso, temos que ter muita responsabilidade com ele", ressaltou.

O ministro Geddel Vieira Lima anunciou que, em 15 dias, o governo deve assinar o primeiro contrato com a empresa responsável pelo primeiro lote do Eixo Norte das obras da transposição. "Com a chegada da iniciativa privada, tenho a esperança de inaugurar ao menos o Eixo Leste da obra ainda no governo Lula", afirmou.

A realização do seminário foi saudada pelo ex-ministro Jarbas Passarinho, que considera a discussão oportuna, lembrando que, em 2000, mediou debates semelhantes. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Passarinho organizou um simpósio para discutir a transposição. "Dei palavra aos que eram a favor e aos que eram contra", lembra. Segundo o ex-ministro, o senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) liderava o grupo contra a transposição e pela revitalização do rio. "ACM argumentava que a obra de R$ 3 bilhões era muito cara e não tinha cabimento", comentou. À época, o deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB) propunha retirar 70 metros cúbicos de água por segundo do São Francisco. "Gadelha contra-argumentou, afirmando que as águas seriam tomadas depois da Bahia, em Cabrobó (PE)", explicou.

Visões antagônicas marcam os debates

Renata Mariz, Ana Clara Brant e Humberto Rezende*

* Especial para o Estado de Minas

Brasília – Os debates foram marcados pela polêmica. Duas visões antagônicas foram apresentadas pela manhã. Primeiro palestrante, o secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional, João Santana, defendeu a transposição como uma forma de levar água aos nordestinos que passam sede. E citou exemplos de dois projetos bem-sucedidos de integração de bacias em funcionamento no país. "Já temos isso aqui, nos rios Paraíba do Sul e Piracicaba. Não sei porque essa celeuma em torno do São Francisco?", questionou.

Do outro lado, o presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas, Apolo Lisboa, contrário ao projeto, sustentou que a transposição não amenizará os efeitos da seca no semi-árido para as populações isoladas. Ele sugeriu alternativas mais simples e baratas, tais como reservatórios de águas da chuva e poços artesianos. Lisboa criticou ainda os projetos de revitalização em curso, feitos pelo governo como parte da transposição. "São uma verdadeira colcha de retalhos, uma forma de repassar dinheiro a prefeituras, sem o menor critério", criticou.

Santana destacou que, apesar das críticas, as populações mais isoladas serão contempladas com um programa de cisternas, cujo orçamento é de R$ 1,2 bilhão em 2007. "Nossa estimativa é atingir 1.143 povoados, não incluídos na transposição inicialmente. A previsão inicial é de 800 mil cisternas por ano", destacou. Ele disse que ainda que as comunidades tradicionais, localizadas na beira do rio, receberão atenção especial. "Estamos iniciando a construção de 642 casas para indígenas e quilombolas."

A polêmica marcou também a segunda parte do seminário. Ao reabrir o encontro, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira, afirmou que o projeto é uma decisão política "irreversível" e descartou qualquer possibilidade de paralisação do projeto. "Essa não é uma obra que vai parar e se tornar um elefante branco. Vamos remover os obstáculos e concluí-la", disse. Geddel afirmou ainda que, ao abrir espaço para o debate livre, o evento cumpriu bem sua função, ampliando a discussão. "As críticas certamente servirão para aprimorar o projeto", afirmou.

Várias críticas e questionamentos surgiram nas duas mesas redondas que se seguiram à fala do ministro, em que especialistas expuseram suas opiniões sobre a transposição. No primeiro debate, cujo mediador foi o editor de política do Estado de Minas, Baptista Chagas de Almeida, o consultor legislativo da Câmara dos Deputados, José de Sena, defendeu um maior amadurecimento e melhor divulgação do projeto antes de sua realização, uma vez que, em sua opinião, a sociedade brasileira ainda não teve a chance de compreendê-lo com clareza. "Essa água terá um custo elevado, que só poderá servir à agricultura de subsistência com subsídios do governo. Devemos nos perguntar se a sociedade está disposta a financiar o subsídio", questionou.

O presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, Thomaz Matta Machado, outro debatedor da primeira mesa-redonda, argumentou que o sucesso da transposição esbarra no conflito pelo uso da água nos estados. "O projeto pode transformar o São Francisco em um novo Colorado", disse, referindo-se ao rio norte-americano que terminou degradado por conta de disputas pelos estados sobre a quantidade de água de que cada um disporia. Machado propõe um pacto de gestão das águas do rio, feito pelos estados por onde ele passa, para garantir o abastecimento de todas as regiões e ao mesmo tempo preservar a bacia do " Velho Chico".

A segunda e última mesa redonda do dia, mediada pelo editor de economia do Correio Braziliense, Raul Pilati, foi marcada por um embate entre um expositor técnico e um emotivo. Enquanto o consultor do Projeto de Transposição do Rio São Francisco, Rômulo de Macêdo Vieira, apresentava números e explicações detalhadas do projeto, o professor, ambientalista e presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – MG), Mário Werneck , expunha de forma eloqüente toda as suas ressalvas contra a transposição.

Macêdo Vieira aproveitou para alfinetar os opositores do projeto e enfatizou que a melhor e mais eficiente solução para a seca no Nordeste é a realmente a polêmica proposta, exemplificando que, no Ceará, a média de água per capita é de menos de 300 metros cúbicos, abaixo do índice recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Já Mário Werneck lembrou os ideais de liberdade do povo de Minas Gerais, berço do São Francisco, e disse que os mineiros não estão contra o Nordeste e que defendem outras formas de solucionar o problema da seca. "Somos contra esse projeto da transposição, que é uma mentira, e vamos lutar até a última gota de sangue. Mas de forma alguma estamos contra a Paraíba, Ceará ou qualquer outro estado nordestino. O povo das Gerais sempre esteve ao lado da liberdade e dos interesses do país", frisou.

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