terça-feira, 9 de outubro de 2007

Siderúrgica pra que?


Íris Tavares

06-09-2007


Temos acumulado mais de três décadas em torno do debate sobre o modelo de desenvolvimento para o Estado do Ceará.

A impressão que temos é que a agenda neoliberal, teoricamente implantada a partir dos anos 40 tem exercido uma forte influência e um papel determinante no modelo economicista e desenvolvimentista ainda em curso. Nas duas últimas décadas o governo mudancista, com certa hegemonia, no Ceará adotou uma versão denominada de “desenvolvimento sustentável” que generosamente foi aclamada como uma escolha inteligente que estaria demarcando uma nova relação de construção de políticas públicas com viés nas potencialidades locais. No entanto a sustentabilidade, pretendida, tem se materializado através da força e dos interesses puramente econômicos e especulativos, de tal forma, que nos parece quase impossível redesenha-lo. Senão vejamos os pactos de acumulação do capital através do agro-negócio, da carcinicultura, da estrangeirização do nosso território, da especulação imobiliária em áreas de preservação ambiental, em áreas paisagísticas, e em áreas de domínio do patrimônio da união. Esse modelo tem implicado numa constante desagregação de populações de comunidades tradicionais tais como: quilombolas, indígenas e pescadores, assim como a pressão constante aos pequenos produtores da agricultura familiar desmontando qualquer possibilidade de encartar uma política pública que garanta a segurança alimentar.

É certo que temos a dimensão da delicadeza e da nossa responsabilidade nessa conjuntura, e mais do que nunca a convicção de que o desafio continua posto para nós que acreditamos na construção da política aliada á transformação da sociedade. Romper velhos paradigmas e reelaborar conceitos e práticas que nos distanciaram do caminho para construção de uma sociedade justa, igualitária e ambientalmente correta. Por isso, defendemos ampliar o debate sobre a siderúrgica. Não nos satisfaz apenas o meio debate, o queremos por inteiro. A visão economicista e desenvolvimentista tem se mostrado deveras mente limitada e não contribuí para o crescimento humano dos povos.
Tenho dito que o debate não deve entrar na seara tola e atrasada de se estar contra ou a favor do governo ou dos empresários, mas fundamentalmente o debate deve apontar para a perspectiva da realidade das populações direta ou indiretamente envolvidas nessa problemática. A compreensão que temos é que o tema da siderúrgica tem a tônica de um modelo de desenvolvimento buscado e perseguido pelas elites do estado tendo como cúmplices os conglomerados financeiros ou consórcios de empresas, cujo caráter primordial é potencializar a lógica do grande capital, em detrimento de uma pauta vocacionada ao atendimento de demandas locais e regionais garantidoras do capital social. O interesse pela siderúrgica remonta o inicio da década de 90 com a construção do Complexo Portuário-Industrial do Pecém, responsável pela devastação de alguns milhares de hectares de terra, da flora e fauna nativa. Além, é claro, da intervenção com requintes de barbárie promovida contra centenas de famílias situadas na área do conflito. Segundo pesquisa do Fórum do Litoral – 1997, a ocupação do solo dava-se, principalmente, através da atividade agrícola, numa perspectiva em que 63,2% da população estava inserida. Na ocasião, nem os mortos escaparam ao constrangimento e vexame de serem arrancados e desapatriados do campo santo, a última moradia, no Cemitério de São Raimundo (do Cambeba) com mais de 300 anos. História essa que foi alvo de cursos e algumas publicações, como exemplo, cito As Teias da (in) Sustentabilidade (trabalho, ambiente e saúde) organizado pela Dra. Professora Raquel Maria Rigotto.

A implantação do programa de atração do grande capital externo com benesses do Estado, baseado na renúncia fiscal e subsídios a doação de infra-estrutura, inaugurou uma era de extravagante rigor em relação a custos e riscos que majoritariamente coube a sociedade arcar. A Ceará Steel empresa interessada na instalação da siderúrgica no Complexo Portuário-Industrial do Pecém estar a exigir: financiamento público; dos $760 milhões $600 milhões serão financiados pelo BNDES, isenção fiscal total durante um prazo de 20 anos; a infra-estrutura portuária com tarifa subsidiada, mais infra-estrutura rodoviária, ferroviária, água, energia e etc. Sem gerar emprego que justifique o volume de investimento pago pelos cofres públicos. Sem gerar receitas e sem gerar impactos na cadeia produtiva nos resta enfrentar um grande debate onde as contradições estão claramente postas. Considerando as condições exigidas para um empreendimento dessa monta nos falta tudo. Não possuímos a matéria prima, não temos o modal de transporte adequado e a produção estará voltada para atender o mercado externo. Esse desenvolvimento de fora para dentro nos escandaliza mais ainda no tocante a infra-estrutura onde o grande gargalo é de ordem sócio-ambiental. Como justificar um cenário onde a escassez de água se desenha num recorte ambiental delicadíssimo que é o semi-árido, enquanto que a indústria siderúrgica é uma atividade com alto índice de consumo hídrico e a projeção do volume de água a ser consumido equivale ao consumo de um município com a população aproximada de 90 mil habitantes. A proposta aponta para o açude Sítios Novos, em Caucaia como a fonte de abastecimento para Siderúrgica. Por outro lado a usina gerará 1,3 milhão de m3/ano de esgoto industrial e que nos interrogamos sobre o tratamento e o destino desse esgoto. Além dos diversos poluentes da água: metais pesados como o cadmo, o cromo, o chumbo, o cobre, hidrocarbonetos entre outros que impactarão na contaminação do mar, rios e águas subterrâneas. A emissão para atmosfera de monóxido de carbono dentre outros compostos químicos que sem o controle ambiental, ameaça à saúde das crianças e das populações do entorno. Um empreendimento que vem na contra mão de um movimento que se manifesta em todo o planeta. Movimento em repúdio a destruição dos ecossistemas vitimas da degradação promovida pelo sistema de produção em vigência. Esta claro o grau de insustentabilidade em todos os aspectos. O custo financeiro e material se liquidifica diante das perspectivas reais da invenção dessa siderúrgica. Consagra-se como o maior símbolo de uma montagem do setor privado num reengenho com o poder público. É o verdadeiro fruto da barriga de aluguel em que se transformou o estado do Ceará onde prevalece a versão de interesses financeiros, especulativos e a fragilização das relações que envolvem o mundo do capital e trabalho.

Íris Tavares, é Setorial Ambiental do Partido dos Trabalhadores Membro da Executiva Estadual do PT Ceará

***Comentário: As águas da transposição vão rolar para mais este empreendimento
privado subsidiado com recursos públicos.

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