Manifesto para o Dia do Rio São Francisco
Dia 4 de outubro, dia de São Francisco – o Santo e o Rio! Dia de luta pela
revitalização de sua Bacia Hidrográfica e contra a transposição de suas
águas!
Muitas comemorações acontecem, mais numerosas e intensas, desde quando,
nas ilhas, assentamentos, igrejas, aldeias e quilombos, comunidades rurais
e urbanas, vem se fortalecendo a luta em defesa do Rio, contra a
transposição. Rio – territóRio de vida, que é Água e Terra e seu Povo.
Transposição mentirosa, de águas que não existem, nem necessidades.
São Francisco, o Santo da Ecologia, eleito Homem do Milênio passado, é
todo luz para o novo milênio. Sob sua inspiração, estamos debatendo e
construindo um Projeto Popular para o Rio São Francisco, que de fato lhe
devolva e preserve a vida. E não é um projeto de letras e planilhas no
papel, nem de muitas falas e propagandas. Vai se formando e crescendo numa
rede de iniciativas pequenas, localizadas ou mais amplas. Vão desde cata
de lixo a preservação de nascentes; de assentamentos agro-extrativistas a
retomadas de territórios indígenas e quilombolas; de experiências
agroecológicas a beneficiamento de frutos dos cerrados e das caatingas; de
grupos e festivais de arte e cultura a caravanas e romarias; de
associações e fóruns a conselhos e comitês; de seminários e debates a
acampamentos e ocupações... Devagar, ao ritmo lento mas seguro do correr
das águas densas do Velho Chico, o Povo do Rio se descobre e se levanta em
sua defesa.
Assim, propositivamente, rechaçamos uma revitalização oficial de fachada,
insuficiente, dada como moeda de troca para impor a transposição. Afora
algumas obras de saneamento, não enfrenta à altura os reais problemas
sócio-ambientais da bacia. O atual governo diz revitalizar o Rio, mas na
prática investe na sua destruição. Os recursos para os chamados “grandes
projetos” são enormes. A exemplo dos perímetros irrigados, que despejam
toneladas de adubos sintéticos e agrotóxicos nas águas dos Rios da bacia.
Monocultores exportam soja e frutas, mas escondem lavagem de dinheiro e
narcotráfico. Negócios administrados por grandes empresas, mas só têm
viabilidade econômica com os incentivos fiscais e creditícios dos
governos. E são um desastre social e ambiental. Mesmo assim, novos
projetos – de irrigação, barragens, centrais nucleares, agrocombustíveis,
transposição – continuam sendo planejados e impostos.
Cerrados e caatingas devastados, contaminação por agrotóxicos e trabalho
escravo são um preço alto demais e impagável, na contramão do que exige a
crescente consciência contemporânea sobre o futuro do planeta e da
humanidade. Urge uma moratória para o Rio! As recentes contaminações por
cianobactérias alimentando gigantesca proliferação de algas nas águas do
São Francisco, desde a foz do Rio das Velhas, que recebe os esgotos de
Belo Horizonte, até Manga, na fronteira de Minas com Bahia, são sinais de
que a destruição chegou ao limite. Basta!
A continuar esse mesmo modelo de expansão econômica, em nome do
“desenvolvimento”, ainda que se diga “sustentável”, não há programa de
revitalização que consiga recuperar a vida do São Francisco e reverter o
quadro terminal em que se encontra. Quanto tempo mais sobreviverá o Velho
Rio “das barbas brancas”, símbolo da “unidade nacional”? Se a nação ainda
faz sentido é para resgatar o direito e a dignidade de seu povo, em seu
território, para isso prioritariamente usado.
A transposição é só o mais recente desatino contra o Rio. Ele não tem
capacidade de sustentar o volume de água que será retirado, bem maior do
que os alegados 26 m3 por segundo e mesmo os projetados 127 m3 por
segundo. Hoje a retirada de água do Rio já é maior do que ele suporta. Só
a produção de energia compromete a vazão de 70% de suas águas. O governo
não diz, mas sabe. E projeta a sua integração com o Rio Tocantins. Os
rios, vistos como “recursos hídricos”, são apenas oportunidades de grandes
e lucrativos negócios. É a lógica por trás das transposições e
privatizações hídricas.
O destino das águas transpostas para o imaginado Nordeste Setentrional não
deixa dúvidas: 70% para irrigação de frutas e cana (para produzir álcool
combustível) e criação de camarão; 26% para uso urbano e industrial, como
as siderúrgicas do Pecém, em Fortaleza-CE; e apenas 4% para a população
espalhada nas caatingas, em nome da qual a propaganda oficial visa
justificar o projeto. Quanto vai custar essa água? Quem vai pagar? Aos
questionamentos e oposições o governo responde com o Exército,
militarizando a região das obras, intimidando os movimentos sociais e toda
a população da região.
Nossa luta é pela democratização da água, pela priorização do
abastecimento humano e das economias solidárias, que respeitam as
limitações e potencialidades do semi-árido. Nesta direção está o Atlas
Nordeste de Abastecimento Urbano da ANA - Agência Nacional de Águas. Com
530 obras descentralizadas, a metade dos custos da transposição, propõe
resolver o déficit para consumo humano em 1.356 sedes municipais de 9
estados, beneficiando 34 milhões de pessoas. Para o meio rural, já se
somam mais de 140 tecnologias de convivência com o semi-árido, que vão da
captação e armazenamento de água de chuva ao manejo de caatinga e
comercialização direta de produtos agrícolas. Com água captada de chuva,
de superfície e subterrânea, e com iniciativas de economia popular
solidária, está sendo gestado o sertão sustentável.
Exigimos o fim da transposição, moratória para o Rio e revitalização para
valer! Deixem o Velho viver em Paz!
Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco - Terra e Água,
Rio e Povo!
Bacia do São Francisco, 4 de outubro de 2007.
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