sábado, 1 de março de 2008

Representante da ASA diz que modelo de desenvolvimento do Semi-Árido é a raiz da desigualdade social na região

“Primeiramente, eu fico feliz pelo esclarecimento dado pelo deputado Ciro [Gomes, do PSB - CE], de que esse projeto [a transposição do São Francisco ] não foi concebido para atender a população difusa”, foi com essa frase que Luciano Marçal, engenheiro agrônomo e representante da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), na audiência pública sobre a transposição, realizada ontem (14), em Brasília (DF), iniciou seu discurso. Para ele, essa informação, assumida pelo deputado federal Ciro Gomes na mesma audiência, é importante para trazer o debate ao centro da questão, afinal é essa população, que representa cerca de 10 dos 21 milhões de habitantes do Semi-Árido, que sofre com a seca e com a falta de água e alimento e que, portanto, deveria ser a mais beneficiada pelo projeto.

Por Gleiceani Nogueira - ASACOM.

Segundo Luciano Marçal, a desigualdade social marca a história de desenvolvimento implementando na região, assentada num modelo de grandes obras de concentração de terra e de água, a exemplo do projeto de transposição do rio São Francisco, que muitos especialistas consideram como a obra faraônica da indústria da seca. “As ofertas concentradas de água, como um canal linear, que é o canal da transposição do São Francisco, nunca vão atender às demandas difusas e sim às cidades de grande porte ou os grandes projetos concentrados de irrigação intensiva”.
Para o agrônomo, pensar um processo de desenvolvimento para a população difusa significa necessariamente pensar em soluções descentralizadas, que levem em consideração as potencialidades naturais da região a e capacidade criativa do seu povo. E para isso, é preciso construir um outro modelo de desenvolvimento para o Semi-Árido, que já vem sendo vivenciado pela sociedade civil através de suas experiências de convivência com a região.
“Essa perspectiva de desenvolvimento, que a gente já vem discutindo, já tem uma série de experiências desenvolvidas, seja por alguns municípios, alguns estados, pelo próprio governo, que tem apoiado um programa de cisternas, e pela própria sociedade, que vem se mobilizando, como a Articulação no Semi-Árido”, disse o representante da ASA.

O bispo da Barra (BA), Dom Luiz Cappio, um dos grandes lideres da luta pela defesa do São Francisco, que chegou, inclusive, a fazer greve de fome duas vezes contra o projeto de transposição, disse que a audiência era um grande espaço de exercício da cidadania e lamentou que ela tenha ocorrido após as obras terem começado.
“Foi exatamente isto que nós pedimos ao senhor presidente da República por ocasião do encerramento do nosso primeiro jejum. Aquele acordo que foi feito entre nós, sociedade civil, e a Presidência da Republica, representada na época pelo ministro Jacques Wagner, de se abrir um amplo e profundo diálogo antes do inicio das obras”, disse Dom Luiz.

A atriz Letícia Sabattela, da ONG Humanos Direitos, que também é contra a transposição, lamentou que a discussão em torno desse projeto tenha ocorrido tardiamente e lembrou que a obra acabou de receber um acréscimo no orçamento. Letícia destacou o direito humano à água e disse que ela não pode ser tratada como mercadoria. “O planeta precisa pensar seus modelos de desenvolvimento econômico de forma que vise a sustentabilidade da vida. Faz-se necessário ampliar a forma de olhar uma floresta, os animais, um rio, como olhamos para nossos filhos e filhas e pensar qual o futuro pretendemos deixar-lhes como herança?”, indagou a atriz.

Oposição - Já o deputado federal Ciro Gomes (PSB - CE), ex-ministro da Integração e grande defensor do projeto, afirmou que há vazão suficiente no rio para se retirar o mínimo de 26m³/s sem gerar nenhum dano ao São Francisco. Ele também disse que no Nordeste brasileiro o projeto da transposição vem sendo mencionando com um empirismo que atrapalha o debate e fez crítica a Dom Cappio.
“Há um tempo em que precisamos reconhecer, pelo menos de boa fé, que não é possível impor superioridade moral. Não é possível que Vossa Excelência [Dom Cappio] se considere interprete superior do valor moral e ponha, por exemplo, um modesto militante de 30 anos na vida pública brasileira, a partir de uma base no Nordeste, [disse referindo-se a si próprio] como alguém que esteja movimentado numa posição antagônica a de vossa reverendíssima por interesses subalternos”, disparou, em tom de crítica, o deputado.

O ministro da integração Nacional, Geddel Vieira (PMDB), destacou que o objetivo do projeto é oferecer segurança hídrica à população, sobretudo, a do Nordeste Setentrional, de forma que a água hoje existente possa ser gerida e aproveitada da melhor forma. “A título de exemplo, o açude de Oróis, no Ceará, acumula algo em torno de 17,5 bilhões de metros cúbicos de água, no entanto, a disponibilidade é de 3,3 bulhões de metros cúbicos de água. Esse é o conceito do projeto: segurança hídrica”, disse o ministro .

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