quinta-feira, 20 de março de 2008

Irradiando Esperança: A Conferência dos Povos do rio São Francisco e do Semi-árido I

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, se juntar o bicho foge!!!
(fala de Roberto, de Recife, presente na Conferência)

Rio Vivo, Povo Vivo; Rio Morto, Povo Morto!
(dito popular na região)

A Conferência reuniu trabalhadores rurais, indígenas, pescadores, movimentos e organizações populares e eclesiais. A Comissão Pastoral da Terra foi a principal entidade organizadora, ao lado dos diversos movimentos. Contamos com a presença de Dom Thomás Balduino, presidente da CPT, e Dom Luiz Cappio, bispo de Barra, BA. Devida ao seu envolvimento na campanha, através do jejum solidário, o PACS foi convidado a participar da Conferência, colaborando na análise de conjuntura que abriu o encontro. Por sugestão nossa, antes das falas dos assessores, uma pessoa por estado falou da situação local. Tivemos, assim, uma palheta de informações que contextualizaram nossa análise e síntese.

A expectativa eram 150 participantes, mas estiveram ao longo da Conferência mais de 200 pessoas. A aportação solidária de entidades e participantes reduziu as despesas dos esperados R$ 50 mil para apenas 27 mil.

Recapitulamos a luta de 2005 contra a Transposição, que envolveu a primeira greve de fome de Dom Luiz, e o primeiro jejum solidário por esta causa. Na época, se organizaram quatro mutirões de intercâmbio de grupos populares e mais de 3.000 pessoas visitaram a região. Diversos atos simbólicos foram realizados, em Cabrobó, Juazeiro e Brasília. Os Truká ocupam área que lhes pertence, apropriada pelo projeto. Trabalhou-se na divulgação do projeto de Revitalização e de democratização da água do Semi-Árido: o projeto Um Milhão de Cisternas, o Atlas Nordeste – Abastecimento Urbano de Água, de autoria da ANA (Agência Nacional das Águas), as pequenas barragens, os cacimbões e outras formas de armazenamento de água com controle da evaporação.

A segunda onda de resistência ocorreu entre novembro e dezembro de 2007. Manifestou-se com força simbólica e política no jejum e oração de 24 dias pelo bispo Dom Luiz Cappio, com apoio e participação dos movimentos sociais e eclesiais no Brasil e no exterior. A atitude do governo Lula tem sido dura e não dialogal. A impressão é que os compromissos políticos para o Presidente Lula estão acima de toda racionalidade e respeito à Nação. Lula não apenas descumpriu o compromisso com o bispo de realizar um amplo diálogo nacional sobre o megaprojeto de Transposição, como enviou tropas do Exército para garantir a continuidade do desmatamento e das obras de construção dos canais de concreto que visam transportar as águas do Rio para quatro estados – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Os canais em construção estão identificados como “áreas sob administração militar”, com a entrada proibida. Tenho comigo um CD com séries de fotos mostrando os militares e operários em ação, a área despopulada, desmatada e escariada pelos tratores, os canais em construção - um espetáculo de irracionalidade e de violência contra a ciência, a população e o bioma Caatinga.

Fizeram apresentações técnicos do calibre de Manoel Bomfim Ribeiro, ex-diretor da CODEVASF e do DNOCS, Luciano Silveira, agrônomo da ASPTA-Paraíba, Henrique Cortez e Luciana Khouri, magistrada. Em síntese, estão em conflito dois modos de conceber e realizar o “desenvolvimento”. Um, o que tem como protagonista o grande capital, brasileiro e estrangeiro, e que se expressa em obras ciclópicas, concentração da terra, da água e do crédito em poucas mãos. Este é um “desenvolvimento” de cima para baixo e de fora para dentro. É aquele que gerou a “indústria da seca” e a estratégia equivocada e sempre fracassada do “combate à seca”.

O outro é o desenvolvimento referido aos sujeitos sociais cujos potenciais e recursos precisam desenvolver-se. Consiste na democratização do acesso aos bens e recursos produtivos – a terra e a água, para começar. Ele tem como proposta a convivência com o Semi-Árido, a partir do saber acumulada da população que nele tem vivido sustentavelmente há milênios, e com a contribuição de novas tecnologias apropriadas para aquele bioma, como as cisternas de placa e outras formas de armazenamento da água, o bombeamento, purificação e recolha de água em reservatórios para distribuição, e as adutoras para levar água dos mais de 70 mil açudes do Nordeste para toda a população.

A conferência foi enriquecida por depoimento de ribeirinhos: agricultoras e agricultores, indígenas, pescadores, quilombolas e vazanteiros, e com belos poemas e canções. Como o Lágrimas do Velho Chico, de Túlio dos Anjos, que diz, numa estrofe:

Desde a Serra lá em Minas
E por todo lugar que passo
O cenário me desanima
Já não sei mais o que faço
Estou precisando de ajuda
Mas a cabeça do povo não muda
Para evitar meu fracasso.

Ou a canção de Toinho, pescador e poeta:

E o rio que era rico
Está para morrer
Clamando por nosso amor,
Clamando para viver.

E a fala do Capitão Dena, cacique Truká assassinado, sobre o sentido da vida para seu povo:

Ser Truká é viver unidos
É criar nossos filhos na terra
E zelar por ela
A vida toda em paz.

No segundo artigo apresentarei os dados e os argumentos mais importantes que provam que a Transposição é mais um grande projeto fadado ao fracasso econômico, social e ambiental, e a política oficial de revitalização carece de um projeto integrado para toda a Bacia do Rio São Francisco.

Marcos Arruda, Socioeconomista e educador do PACS, Rio de Janeiro, e do Instituto Transnacional, Amsterdam.

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