segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A SECA DO NORDESTE TEM SOLUÇÃO


Águas subterrâneas são apontadas como alternativa e estiagem não seria
problema

São Paulo (Agência Fapesp) – Em 1962, um quarto de século antes de a
Organização das Nações Unidas publicar o relatório Bruntland – o primeiro
documento a sugerir a inclusão do tema sustentabilidade na agenda de
desenvolvimento dos países -, Aldo da Cunha Rebouças, um jovem geólogo
formado pela Universidade Federal de Pernambuco, já alertava os órgãos
públicos para o fato de que a má gestão e o uso inadequado da água
comprometeriam a qualidade da oferta do produto. Ao longo de mais de 40
anos de pesquisa, ele defendeu obsessivamente a premissa de que “o
conceito de água abundante, inesgotável e gratuita, uma dádiva de Deus ou
de qualquer outra figura cósmica, da igreja ou de políticos, dos coronéis
ou do homem, da natureza”, era uma ficção obsoleta.

Necessidade de tratamento especial

Brandiu esse alerta diante de vários governos. No final dos anos 1960 e
início de 1970, foi diretor da Bacia Escola de Hidrologia da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
“ Constatei que o problema do Nordeste não é de seca, mas de cerca”,
lembra. A região tem uma importante fonte de recursos hídricos: a água
subterrânea. Boa parte dessa água está protegida da evaporação e poderia
abastecer o dobro da população do Polígono das Secas, que compreende nove
estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais.
“A água subterrânea está presente nos terrenos sedimentares e não precisa
de nenhum tratamento especial, exceto a cloração”, explicou em entrevista
à Radiobrás, em 1999. Esse potencial, no entanto, é subaproveitado, apesar
de as tecnologias de retirada dessa água serem relativamente simples e de
baixo custo: basta uma bomba manual ou cata-ventos movidos a energia
eólica que custam entre R$ 200 e R$ 400.
Um inventário recente dos poços já perfurados revelou, no entanto, que
cerca de 30 mil deles não estavam equipados para a extração de água.

Aldo Rebouças é uma referência mundial no estudo das águas
Tese de pós-doutorado

A água foi objeto de suas teses de mestrado e doutorado, na Universidade
de Strasbourg, na França; e de pós-doutorado, na Universidade Stanford,
nos Estados Unidos. Assistiu ao primeiro seminário patrocinado pela
Unesco, em 1965, em Washington, que resultou num programa mundial de
estudos sobre as águas subterrâneas. “Foi feito um balanço hidrológico e
constatou-se que 30% da água do planeta era subterrânea. O homem já tinha
pisado na Lua e ainda não sabia o que havia sob os seus pés...”.
No início dos anos 1970, a nova descoberta fez a geologia “explodir” como
a ciência do futuro, tendo como Meca a França. Rebouças estava lá,
desenvolvendo a tese de doutorado sobre a bacia Potiguar. “Mostrei que o
projeto de desenvolvimento patrocinado pelo Banco Mundial estava instalado
na região mais cara da bacia, sem nenhuma importância do ponto de vista
hidrológico. A região correta, e mais barata, era a Serra do Mel e de
Serra Azul, onde estavam os minifúndios”, lembra.
Em meados de 1970 o Nordeste “não lhe coube mais”. Já casado com dona
Suzana e com três filhos, Rebouças transferiu-se para a USP, onde fez o
que considera sua maior contribuição para a hidrologia: descreveu o
aqüífero Guarani, um manancial de água doce subterrânea de proporções
gigantescas, localizado na região centro-leste da América do Sul, que se
estende pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. “Descobri que o
cristalino tem muita água”, resume, modesto. Até então a ciência descrevia
só parte dessa imensa formação, o aqüífero Botucatu. A descoberta de
Rebouças foi batizada pelo uruguaio Danilo Anton, em memória dos povos
indígenas da região.

Poços com inclinação

Uma das soluções para o Nordeste, na sua avaliação, estaria na construção
de poços artesianos inclinados, já que a região está localizada sobre uma
fratura de rochas antigas, pré-cambrianas, de muito movimento. A outra, e
a regra vale para todo o país, está na educação. “O cidadão brasileiro
precisa ser informado ao máximo para utilizar, de forma cada vez mais
eficiente, cada gota d`água disponível, reduzindo-se os desperdícios nas
grandes cidades onde ainda se utilizam bacias sanitárias que necessitam de
descargas que consomem de 18 a 20 litros, quando se tem modelos no
comércio que necessitam de apenas 6 litros”, afirmou.

Transposição: “um absurdo”

Hoje Rebouças assiste perplexo ao debate sobre a transposição do rio São
Francisco. “Um absurdo”, como ele qualifica o projeto, movido por
interesses políticos e pela velha rixa entre engenheiros – “que só se
preocupam com a água que está acima do solo” – e geólogos – “que só se
preocupam com a água subterrânea”. Sugere reiteradamente que é preciso
investir mais no homem e menos em obras: “Não adianta construir barragens
se os homens não sabem usa-las”, argumenta. Cita o exemplo de regiões em
Israel e nos Estados Unidos, com o mesmo clima, e que são bastante
prósperas. Para ele, a seca do Nordeste deveria ser encarada como uma
oportunidade. “Tudo que se planta no Semi-árido dá, ele não é um solo pior
para o cultivo que os outros”.

História da humanidade

Rebouças tem fundamentado suas teses sobre hidrologia na história da
humanidade. Em 2003 recorreu a esses dois argumentos para criticar o
governo de Luiz Inácio Lula da Silva que elegeu o programa Fome Zero como
política prioritária de governo, em detrimento de ações de democratização
do saneamento e acesso à água potável. “Há 25 mil anos a.C., já se sabia
que o uso cada vez mais eficiente da gota d`água disponível era a
alternativa mais barata de combate à fome. Parece, todavia, que esta lição
não foi aprendida até agora, à medida que ainda se procura combater a fome
com a distribuição de alimentos, como fez a Coroa portuguesa nas suas
tentativas iniciais de colonização do Brasil”, escreveu na época.

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