segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Porque não fazermos de um um outro rio: uma prece, uma canção, um caminhar. E uma história para não ser esquecida?

Campinas, 9 de dezembro de 2007,

Faz algum tempo, mas não muito. Lembro-me bem! Eu estava lá na UNICAMP. E por mais estranho que pudesse parecer, naquela minha universidade laica e pouco sensível a lutas populares, D. Pedro Casaldáliga, o prelado de São Felix do Araguai (estive lá com ele mais de uma vez) ia receber solenemente o título de "Doutor Honoris Causa".
Depois dos gestos e dos discursos solenes, ele fez a fala dele. Como sempre, aquele homem magro e profundo, com acentos sertanejos e catalães, disse palavras de uma enorme simplicidade. Destoava em tudo dos padrões acadêmicos.
E, ao final, para supresa de quase todas e todas, proclamou em alto e bom som, que quem recebia o título não era ele. Era um rio. E dedicou o título e o diploma ao "Rio Araguaia". Seu rio amado.
Não sei se algum outro rio no planeta Terra é "Doutor Honoris Causa".
Depois nos demos as mãos (para horror de algumas autoridades acadêmicas) e numa grande ciranda dentro do salão nobre da UNICAMP, cantamos juntos o "caminhando e cantando e segundo a canção".
E seguimos!

Hoje, na beira de um outro rio, um outro bispo jejua e padece três fomes ao mesmo tempo. A de seu corpo já de antes enfraquecido. A fome da imensa incompreensão de poderes públicos. Os mesmos (em ue eu votei e vocês também, imagino) que em tempos de campanha prometeram inúmeras vezes que - finalmente - chegou o tempo em que... "o povo deste país seria ouvido".
E, talvez a pior das três fomes: a de nosso silêncio. A de nossa ausência.
Nós que volta e meia - e com muita justiça - nos irmanamos e nos unimos diante de uma notícia grave, ou de um momento de itensa mobilização, estamos vivendo e estamos presentes no gesto de Frei Luis Cáppio, de que maneiras? Com que gestos?
.Não devemos esquecer que apenas os pequenos gestos, quando multiplicados, movem o mundo. Os muito grandes, apenas o destroem.
O homem em nome de quem Frei Luis fez-se frade, disse algums poucas palavras durante apenas três anos, e depois deixou-se pendurar de uma cruz. O Império Romano ruiu. O que foi criado depois em nome daquele ex-carpinteiro alucinado, gerou gestos e gerou pessoas como D. Pedro, Irmã Dorotty e Frei Luis. Gandhi estremecia o Império Britânico apenas jejuando. Tamto que anos mais tarde, após um lauto almoço, o rei da Inglaterra descobriu que era a hora de a Índia ser livre. E foi. E o "Império" começou a ruir.
O gesto de Frei Luis poderá ser um fracasso dele e de todas e todos nós. E, então, será uma vitória dos tecnocratas do Governo, que certamente deixarão pelo meio dos sertões do Norte, abandonada, uma obra impiedosa e irresponsável, cuja verba poderia abrir cisternas, semear terras verdes, salvar vidas e criar escolas.
Mas o mesmo gesto voluntário poderá ser não necessariamente "uma vitória", mas um símbolo multiplicado. Uma fome que é também um canto sonoro (em seu silêncio) e fecundo.
Pois desde as beiras do Rio São Francisco ele deitaria raizes para sempre. E, boicotado pela midia e silenciado pelo poder, seria o gesto de um grito tornado um poema e uma canção de desafio e de coragem, entoado a muitíssimas vozes. E ele seria inesquecido.
O desejo de poder e fama de alguns homens um dia se apagaria, e, não duvidem, vai se apagar! Mas a fome voluntária de um homem, não!
Vivida em nós, entretecida entre nós, assumida de mil maneiras por nós e multiplicada em e entre os nosso outros pequeninos e infinitos gestos de solidariedade e coragem esta fome voluntária poderia ser o gesto de jejum que desmonta um projeto desvairado.
Estejamos juntos e ao lado deste homem sozinho sob o sol do Norte!
Afinal, há alguns um outro homem de fé fez de um rio um "doutor". Porque não fazermos de um um outro rio: uma prece, uma canção, um caminhar. E uma história para não ser esquecida?

Carlos Rodrigues Brandão

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