07/12/2007
Marco Antônio Coelho
Nestes dias um tema palpitante preocupa inúmeras pessoas – a greve defome do frei Luiz Flávio Cappio, em protesto pelo fato de Lula iniciar as obras de transposição de águas do rio São Francisco.
Não é o caso aqui, neste artigo, de discutir novamente a adequação ou não desse projeto.
De minha parte, já apresentei esses argumentos em meu livro “Os descaminhos do São Francisco”.
Neste momento, a questãocrucial é outra. O que está em jogo é a vida de uma pessoa – a do franciscano Dom Cappio, que há vários dias entrou em greve de fome por não concordar com esse desvio de águas do grande rio.
É certo que há divergências na opinião pública a respeito dessa questão. Até mesmo em setores minoritários da Igreja há pessoas que apóiam o projeto e discordam da atitude do Bispo de Barra.
Um professor universitário, aliás muito categorizado, opinou ser antidemocrático o fato de uma personalidade pública recorrer à greve de fome, a fim de paralisar uma obra da administração, argumentando que se tal procedimentose tornar costumeiro o país ficará ingovernável.
Todavia, a questão não pode ser examinada tão simplesmente. Em primeirolugar, Dom Cappio repetiu agora um conceito que lançou quando da grevede fome realizada por ele em 2005, ao dizer: “Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho”.
Numa entrevista que deu a “Estudos Avançados”, ele fundamentou essa declaração: “Quando eu dizia loucura,me referia à loucura da fé, de alguém que faz uma opção de vida que está na contramão do pensamento das pessoas normais.... Desde meus primórdios, pois venho de uma família abastada, fiz um voto de pobreza, entrei numa ordem religiosa, vou para o sertão e, de repente opto por morrer. Então, para alguém que não traz em seus parâmetros a fé, tudo é uma loucura, uma insanidade. Nesse sentido, Jesus e São Francisco de Assis foram loucos”. Assim, apesar de não comungar da fé de Dom Cappio tenho de me curvar diante de seu gesto, entendendo a excepcionalidade do desafio.
Em segundo lugar, quem assume o risco de jogar sua vida numa causa não é um governante, um economista, um senador, um jornalista, um empresário, ou qualquer pessoa que deseja alcançar fama ou prestígio. É um humilde franciscano, formado em Filosofia, Economia e Teologia, que abandonou tudo para se dedicar à gente do São Francisco. Trata-se de um missionário que há vários anos está nas barrancas do grande rio. Um frade que passou um ano inteiro em peregrinação pelo São Francisco, da serrada Canastra até o oceano, sendo recebido por gente ribeirinha e pelospárocos da região.
Dom Cappio sabe que é uma mentira a afirmação de Lula de que o projeto tem por objetivo auxiliar os que sofrem devido à escassez de água em distantes paragens. Mas ele é testemunha da miséria ali mesmo, nasmargens do Velho Chico.
Agora, os dados da História estão jogados. A possibilidade de uma barganha desapareceu.
Cabe a Lula pegar ou largar – ficará com o cadáverde um bispo?
Marco Antônio Coelho, jornalista, é editor executivo da revista “EstudosAvançados”, da USP, e autor do livro “Os Descaminhos do São Francisco”, publicado pela Editora Paz e Terra
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