sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Nota de Henrique Cortez sobre os comentários de Lula


Nota de Henrique Cortez sobre os comentários de Lula na matéria *Lula diz que obra no S. Francisco continua e espera que bispo tenha juízo*
21/12/2007

O presidente Lula continua a afirmar que a transposição é uma obra para levar água a quem tem sede, mesmo que isto já tenha sido amplamente demonstrado como inverdade.

Batendo na mesma tecla deste argumento falso, Lula afirmou que a transposição "É o projeto mais humanitário do governo. Quero acabar com a indústria da seca e do caminhão pipa. Só quem carrega lata de água na cabeça e viu sua cabrinha morrer de sede sabe o problema da seca".

Ao que parece, o governo Lula demonstra concordar com Joseph Goebbels, quando afirmava que “uma mentira muitas vezes repetida, torna-se verdade”.

Os movimentos sociais e populares, os técnicos independentes, os cientistas, a SBPC e muitos outros estão cansados de demonstrar que a água transposta passará longe de que tem sede.

Aliás, ninguém minimamente honesto pode acusar os movimentos sociais e populares de traição aos seus compromissos históricos com as causas populares. Tampouco podem se acusados abandonar o povo do nordeste para defender os grandes interesses econômicos, a indústria da seca e o coronelismo. Se alguém mudou de lado, compromentendo-se com vanguarda do atraso, certamente não foram os movimentos sociais e populares.

Quem tiver boa vontade, pode verificar os relatórios da Secretaria Nacional de Defesa Civil, órgão do Ministério da Integração, para verificar, ao longo dos últimos cinco anos, os municípios em estado de emergência em razão da seca. Comparando com os mapas da transposição fica visível que mais de 70% destes municípios não estão na área “molhada” pela transposição.

Aliás, se consultarem os mapas das secretarias de recursos hídricos do RN, da PB e do CE, também notarão que estes mesmos municípios não são atendidos pela impressionante rede de adutoras já instaladas.

A capilaridade atual é, no máximo, de cinco quilômetros, ou seja, quem quer que esteja a mais de cinco quilômetros de um reservatório, não tem água. Quem viaja pela BR 230, de João Pessoa a Sousa, na PB, vai cansar de ver incontáveis áreas desérticas ao lado, literalmente ao lado de adutoras.

A transposição não prevê que a rede atual seja capilarizada, não prevê o acesso à água e não atingirá a população difusa, justamente àquela que é vítima da indústria da seca.

Alguém já ouviu falar de carro-pipa atendendo as grandes cidades do semi-árido? Ou alguém destas cidades com lata de água na cabeça, ou de cabrinha morrendo de sede em Fortaleza? Ou de falta de água para a agricultura irrigada de exportação? Ou para a carcinocultura? É claro que não e continuará não vendo. Mas os desprezados de sempre, continuarão dependendo do coronelismo e da politicalha que comanda a indústria da seca e os carros-pipa.

O presidente Lula, para felicidade do amplo consórcio fi$iológico de sua base partidária de apoio, também adotou a visão de Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, no livro Il Gatopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa : “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude."

Os desafios para um Brasil possível e necessário, socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável, são muito maiores do que o voluntarismo de qualquer governante momentâneo. O poder é passageiro, mas pode deixar seqüelas por décadas. É o caso da transposição.

Os movimentos sociais continuarão a defender os seus compromissos pela defesa de milhões de brasileiros historicamente negligenciados, nem que seja porque, ao contrário de Lula, não poderão dizer que não sabiam da irrelevância da transposição para quem tem sede.

Para todos os movimentos sociais ficará o exemplo e o caminho indicado por Dom Cappio: "Depois desses 24 dias, encerro o meu jejum, mas não a minha luta". O governo tentará impor a sua vontade imperial de fazer a transposição do rio São Francisco, mas ainda enfrentará muita luta pelo caminho.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br

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