sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Caravana em defesa do rio São Francisco encaminha carta aos governadores de Sergipe e da Bahia


Senhor Governador
,

O diagnóstico contido no Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do
São Francisco, aprovado em outubro de 2004 pelo Comitê da bacia
hidrográfica, demonstra alto grau de degradação ambiental decorrente de
intervenções antrópicas ocorridas nas últimas décadas. Destacam-se os
impactos decorrentes da construção de 8 barragens na calha do rio, o
desmatamento generalizado provocado pela atividade agro-pecuária, com
destaque para a extração de carvão para as siderúrgicas mineiras, a
introdução da agricultura irrigada com tecnologias produtoras de gastos
excessivos de água e o lançamento de efluentes domésticos, industriais,
minerais e agrícolas, ao longo de toda a bacia.

Em função deste diagnóstico, da necessidade de garantir a reserva de água
necessária para o fornecimento de energia elétrica para todo o Nordeste
brasileiro e para a manutenção de vazão ecológica na bacia, o Comitê de
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco determinou que o limite para o
consumo de água em toda bacia deve ser de 360m3/s. Esta decisão ocorreu de
acordo com os artigos 7 e 37 da lei 9433/97, tendo como base estudos
técnicos da Agência Nacional da Águas e dos órgãos gestores de recursos
hídricos dos estados da bacia. A fixação de um valor máximo de retirada
implica em auto-limitações de uso e de desenvolvimento econômico para
todas as unidades federativas envolvidas, mas visa atingir um objetivo
maior: promover a revitalização, manter a sustentabilidade do rio e a
conciliação entre usos consuntivos e não consuntivos. Por exigir uma ampla
negociação entre todos os atores envolvidos e entre as unidades da
federação que compõem a bacia, trata-se, na realidade, da primeira etapa
do Pacto de Gestão das Águas da Bacia do São Francisco. O passo seguinte,
a fixação dos valores de entrega dos afluentes do rio São Francisco e a
distribuição espacial da vazão alocável entre os Estados da Bacia, não foi
ainda efetivado. A sua concretização encontra-se seriamente ameaçada em
função da outorga concedida pela ANA para a obra da Transposição,
programada para captar até 127m3/s e transferir para estados fora da bacia
do São Francisco, uma média outorgada de 64m3/s.

O licenciamento da obra e a outorga, além de desconsiderarem o Plano da
Bacia que admitiu alocação externa apenas para abastecimento humano e
dessedentação animal, provocam significativo conflito entre os estados da
bacia, entre estes e os estados receptores e entre usuários da bacia do
São Francisco.

O projeto de obra da Transposição destina 80% das águas para os estados do
Rio Grande do Norte e Ceará que não comprovam escassez de água para uso
econômico, abastecimento humano ou dessendentação de animais nas bacias
receptoras. Pelo contrário, a partir da década de 1980, no Rio Grande do
Norte e finais dos anos 90 no Ceará, um esforço bem sucedido foi
empreendido com a construção de grandes obras hídricas e aprimoramento da
gestão de suas águas. Símbolos deste empenho são os açudes Armando Ribeiro
Gonçalves no Rio Grande do Norte e Castanhão no Ceará, que garantem
reserva hídrica por muitos anos nas suas bacias (Piranhas-Açu e Jaguaribe)
e nas bacias metropolitanas no entorno de Fortaleza, através de canais de
integração já existentes ou em construção. Nestes estados mais
beneficiados a escassez de água está nas bacias do Oeste do Ceará e do
Sertão Central/Inhamuns, não consideradas. Por outro lado, o estado de
Pernambuco que possui 70% seu território dentro da bacia do São Francisco
comprova escassez nas bacias do Pajeu e Moxotó e o estado da Paraíba
sofrerá escassez na bacia do rio Paraíba em aproximadamente dez anos.

Em 2004 quando foi aprovado o Plano de Bacia do Rio São Francisco não
havia sistematização e diagnóstico da real escassez de água no Semi-Árido
Brasileiro. A partir do início de 2007, foi divulgado pela Agência
Nacional de Águas - ANA, o Atlas do Nordeste de Abastecimento de Águas,
que veio suprir esta lacuna. Trata-se de um minucioso diagnóstico hídrico
de 1.112 municípios nordestinos com mais de cinco mil habitantes e 244
municípios abaixo desse quantitativo, com propostas de obras para
solucionar os problemas de abastecimento humano até 2015. O seu alcance é
grandioso: através de 530 obras, a um custo de 3,6 bilhões de reais, o
Atlas prevê o abastecimento de cerca de 34 milhões de pessoas em todos os
estados do Nordeste, incluindo parte do norte de Minas Gerais.

Também a partir de 2004 houve um importante avanço no apoio público a
projetos que utilizam tecnologias alternativas de captação, reserva e
utilização de água pela população dispersa no meio rural que vive da
agricultura familiar. O projeto “Um milhão de Cisternas” alcançou mais de
20% de sua meta e apresenta resultados promissores tanto para o
abastecimento familiar quanto também na utilização de água na produção
agrícola e animal. E trata-se de apenas uma das possibilidades
alternativas para aumentar a disponibilidade hídrica da população
dispersa.

Finalmente a segurança jurídica da obra da Transposição não está
assegurada já que tramitam diversas ações no TCU e no STF, sendo que
nenhuma delas ainda foi julgada no mérito. Dentre elas destacam-se as que
referem à utilização de recursos hídricos em terras indígenas e aquelas
que questionam o EIA-Rima que não considerou nenhum impacto para os
estados à montante e à jusante do local da obra, fato que estabeleceu o
conflito entre estados da federação e a União em torno da Transposição. A
transposição é sem dúvida nenhuma, o projeto mais polêmico do governo
Lula.

Em função destas considerações solicitamos que Vossa Excelência atue junto
ao presidente Lula para a realização de uma audiência com os membros da
Caravana em Defesa do São Francisco e do Semi-Árido e Contra a
Transposição que levará proposta alternativa nos seguintes termos:

1 - Adução de 9m3/s para os estados de Pernambuco e Paraíba
redimensionando o projeto atual de 28m3/s, através de termo de ajustamento
entre o empreendedor e o Ministério Público Federal com interveniência dos
estados da bacia, do estado da Paraíba e do Comitê de Bacia do Rio São
Francisco.
2 - Suspensão do Eixo Norte da Transposição.
3 - Adoção das obras previstas no Atlas do Nordeste de Abastecimento de
Água que ainda não estão contempladas no PAC com ênfase para o Oeste do
estado do Ceará e Sertão Central/Inhamuns.
4 - Incremento do apoio da União à introdução de tecnologias que
garantam o abastecimento de água e produção da população que reside no
meio rural do Semi-Árido Brasileiro.
5 - Apoio à revitalização das bacias hidrográficas dos rios Jaquaribe no
Ceará e Piranhas-Açu no Rio Grande do Norte.
6 - Apoio técnico-político ao Comitê de Bacia do São Francisco para
elaboração do Pacto de Gestão das Águas do São Francisco com inclusão
imediata do atendimento às demandas para abastecimento humano do estado da
Paraíba e consideração dos pleitos dos estados do Ceará e Rio Grande do
Norte para abastecimento humano e dessedentação de animais.
7 - Coordenação pela União da elaboração de um Plano de Desenvolvimento
para todo o Semi-Árido Brasileiro, sustentável e socialmente inclusivo.

Atenciosamente,

Apolo Heringer Lisboa - Universidade Federal de Minas Gerais /Coordenador
Geral da Caravana em Defesa do São Francisco, do Semi-Árido e Contra a
Transposição e Presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas.
Dom Frei Luiz Flávio Cappio - OFM, bispo diocesano de Barra, na Bahia.
Thomaz Mata Machado - Universidade Federal de Minas Gerais / Presidente do
Comitê de Bacia do Rio São Francisco.
Concordam e assinam os membros da Caravana abaixo:

· João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco / Recife
· Luciano Marçal - Engenheiro Agrônomo, secretário executivo da
Articulação do Semi-Árido (ASA) / Recife
· Coordenadoria Interestadual das Promotorias do Rio São Francisco:
· Ana Rúbia Torres de Carvalho – Ministério Público do Pernambuco
· Eduardo Lima de Matos - Ministério Público de Sergipe
· Luciana Espinheira da Costa Khoury - Ministério Público da Bahia
· Luciana Imaculada de Paula – Ministério Público de Minas Gerais
-
· João Abner - Professor da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco:
· Comunidades tradicionais:
· Antônio Gomes dos Santos (Toinho Pescador), representante da
Federação dos Pescadores do baixo São Francisco / Alagoas
· Marcos Sabaru – Povo Timgui-Botó, representante dos povos
indígenas da bacia / Alagoas
· Movimentos sociais e de defesa do meio ambiente:
· Renato Pêgas Paes da Cunha - Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá)
· Ruben Siqueira - Fórum em Defesa do São Francisco – Comissão
Pastoral da Terra / Bahia
· Soraya Vanini Tupinambá - Frente Cearense por uma Nova Cultura da
Água e contra a transposição das águas do Rio São Francisco
· Francisco Flávio Pereira Barbosa - Frente Cearense por uma Nova
Cultura da Água e contra a transposição das águas do Rio São Francisco / MST
· Lourival Almeida Aguiar - Articulação do Semi-Árido (ASA) / Ceará

Belo Horizonte, 28 de setembro de 2007

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