segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Vamos à luta

por Henrique Cortez - 25.08.2007

A causa sócio-ambiental passa por momentos difíceis, com seguidas derrotas. Usinas no rio Madeira, transposição do Rio São Francisco, expansão do programa nuclear, abandono completo dos mais elementares cuidados de biossegurança, criminalização dos movimentos sociais, reforma agrária patinando e por aí vai.

Uma observação minimamente crítica indica que tivemos pequenos avanços pontuais e enormes derrotas estratégicas. Os movimentos sociais e populares discutem o que fazer e como identificar as melhores estratégias.

A discussão é pertinente e importante, mas devemos ter o cuidado de observar a estratégia que está por trás dos planos do governo. Estas estratégias estão interligadas e focadas no modelo de desenvolvimento.

Em primeiro lugar, devemos negar o conceito de apagão porque ele não aconteceu. Em 1999, tivemos uma oferta de 62 mil Mw para uma demanda de 54 mil Mw, ou um superávit de 8 mil Mw. Em condições normais, o crescimento de demanda em 2000 e 2001 ainda não esgotaria o superávit.

Quando o (des)governo FHC nos impunha o tal apagão, tínhamos uma capacidade instalada de 73.000 Mw para um recorde de demanda, em abril de 2001, de 56.196 Mw. Se existia superávit então também deveria existir sobra de energia. Certo? A crise não foi de energia, mas de disponibilidade hídrica – os reservatórios estavam secos. Sobradinho chegou à trágica marca de 6% de sua capacidade.

Os grandes interesses econômicos aproveitaram para afirmar e ainda afirmam a necessidade de expansão da capacidade de geração. Maximizar o gerenciamento dos reservatórios nem foi discutido.

Em segundo lugar, 20% de nossa energia firme é consumida pela indústria eletrointensiva (quase 500 empresas). Quase 80% das novas usinas projetadas e licitadas foram concebidas para atender este segmento industrial “energívoro”. É o caso das usinas do rio Madeira.

Este segmento dedica-se, essencialmente, à exportação, tal como o alumínio primário, o que nos faz grandes exportadores de energia e água virtuais.

Na verdade, deveríamos iniciar as discussões sobre este modelo econômico neocolonial escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia.

Em terceiro, observem que existe uma estratégia cuidadosamente orquestrada, que inclui temas que, aparentemente, fazem parte de uma agenda secreta. É o caso das usinas do Madeira, porque parece claro o interesse na hidrovia, novamente para atender aos exportadores de produtos primários.

Quanto ao rio São Francisco, já sabemos as verdadeiras razões da transposição. Mas qual é a lógica de criar novas usinas no rio, inclusive usinas nucleares?

Uma usina nuclear nada mais é do que uma usina termelétrica. Ou seja, simplificadamente, é uma gigantesca caldeira que através da queima de um combustível (gás, carvão ou nuclear) aquece água em alta pressão para girar uma turbina. Uma usina termelétrica, nuclear ou não, com 1,3 mil MW consome, por dia, água equivalente a uma cidade de 100 mil habitantes.

Na atual situação do São Francisco isto seria maluquice, certo? O governo acredita que não, por causa do “adormecido” projeto de transposição do Tocantins para o São Francisco. Este projeto, de Furnas, foi finalizado em meados do primeiro ano do Governo Lula (vejam em http://www.sfiec.org.br/artigos/infraestrutura/Transposicao_tocantins.htm ). O então superministro José Dirceu falou do assunto várias vezes (vejam em http://www.planobrasil.gov.br/noticia.asp?cod=236 ) .

Usinas nucleares também atendem a interesses militaristas. Desde o início do governo Lula, ocorreram várias defesas da bomba e vários desmentidos, mas a freqüência com que o assunto volta a tona indica que a agenda nuclear militar pode estar adormecida, mas não está morta.

Bem, esta é apenas uma amostra do que pode estar acontecendo nos bastidores e indica que nossas propostas, quaisquer que sejam, serão solenemente ignoradas.

O governo reclama dos ambientalistas, dos índios, dos quilombolas, dos ribeirinhos, do ministério público, do poder judiciário, dos movimentos sociais e de todos os que não concordam com esta opção pseudo-desenvolvimentista. E reclama com razão, porque estes segmentos da sociedade não aceitam este modelo de desenvolvimento a qualquer custo.

Fomos considerados adversários porque recusamos este modelo de desenvolvimento neocolonial e porque somos um risco a esta orquestração e ao atendimento da agenda neoliberal. Esta é a essência dos ataques à legislação ambiental e da defesa da “flexibilização” dos licenciamentos.

Engana-se quem imagina que esta estratégia nasceu no governo Lula. Ela é antiga e possui suficiente força econômica e política para manter-se ativa em quaisquer governos.

Como já disse antes, não vejo, de fato, qualquer diferença real entre o "desenvolvimentismo" de direita e o "desenvolvimentismo" com rótulo de esquerda. Nos dois casos, os perdedores são os mesmos de sempre.

O pragmatismo de governar, atendendo aos grandes interesses econômicos, acolhe, em sua base de apoio, políticos com longa e consolidada trajetória fisiológica. Ao mesmo tempo, o governo reiteradas vezes define como adversários os movimentos sociais, os ambientalistas, os índios, os quilombolas, os ribeirinhos e o MP.

Isto é bom porque elimina a ambigüidade e define claramente quem é quem. Quem tem um projeto de poder e quem tem um projeto de país.

Muitos acreditam que um outro Brasil é possível e necessário, meta da qual não nos “cansamos”. Podemos estar aborrecidos e frustrados, mas, definitivamente, não estamos desmotivados e muito menos “cansados”.

O lado bom da história é que esta tragédia anunciada não é irreversível, porque ainda é possível discutir e questionar este equivocado modelo de desenvolvimento. Podemos e devemos tentar mudar o curso deste governo eleito e reeleito para ser democrático e popular. É o nosso papel e não podemos abrir mão dele.

Portanto, vamos à luta.

Henrique Cortez,
coordenador do EcoDebate

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