terça-feira, 19 de agosto de 2008

Transposição do São Francisco: uma nova indústria da seca

Barragem Armando Ribeiro Gonçalves - RN


Adauto Medeiros, Engenheiro civil e empresário

Se o Brasil fosse dirigido por gente séria estaria comemorando a vitória sobre a seca e a famosa frase de Dom Pedro II já não teria o menor sentido. A maioria dos nordestinos pensa que de lá para cá não foi feito nada, mas prefiro falar apenas do nosso estado. Em 1982, construímos a barragem Armando Ribeiro Gonçalves, com 2,4 bilhões de m3; em 1990/92 começou o baixo Assú com 6.000 hectares e ainda não terminamos. Em 1992 foram construídas as adutoras de Garibaldi, em 2003 fizemos as barragens de Umari e Santa Cruz com 900 milhões de m3. Hoje não temos grandes gargantas para fazer barragem a não ser a Oiticica que está parada há 10 anos. Esta, uma barragem de 500 milhões de m3, serviria para gerar energia como para manter o nível da Armando Ribeiro Gonçalves.

Temos hoje a nossa disposição 13,9 bilhões, sem contar mais 1 bilhão de Coremas/Mãe d´água no Rio Piranha que vem da Paraíba. Agora vejamos o outro lado: o Rio São Francisco tem uma vazão de 1.860 m³ para o consumo das cidades ribeirinhas e 70% das cidades de Sergipe e Belo Horizonte e mais a irrigação dos plantios as margens do Rio, especialmente Petrolina e Juazeiro. A população ribeirinha chega a 8 milhões de habitantes e sendo o projeto de 26 m³ chegará para nós apenas 2,2 milhões de m³ o que é insignificante em relação à água que temos.

Talvez as pessoas que são favoráveis à transposição não saibam que para recalcar 1 m³ de água no projeto, é preciso ter 3 m³ de água para fornecer energia para recalcar a água. E para o projeto todo, teremos cerca de 700 km de canais, que como podem ver é uma verdadeira indústria da seca onde os grandes beneficiários são as empreiteiras, as fábricas de cimento que por falar nisso estão instalando duas no RN. Projeto de 10 anos é uma festa para os políticos, pois precisam de lobby para liberar o dinheiro todos os anos. E para ter uma idéia o canal terá 25 m de largura por 5 metros de profundidade. O orçamento de 6,6 bilhões é o início do projeto, mas com os desdobramentos é impossível quantificar aonde isso vai. Isto mostra que não temos um projeto para o Nordeste e especialmente para o Rio Grande Norte, uma vez que precisamos construir o aeroporto de São Gonçalo, aliás, até hoje não entendo porque não é em Parnamirim, pois além de ter o encontro de duas BRs, as rodovias para chegar lá já estão juntas e feitas, e em São Gonçalo não temos como chegar lá e para fazê-lo será muito caro. É incrível mais uma vez vermos que os empreiteiros dão as cartas.

Também precisamos de uma refinaria que foi para Pernambuco. Precisamos de um porto, precisamos construir uma siderúrgica, precisamos divulgar o destino de Natal no exterior para manter esta superestrutura turística criada pela iniciativa privada para atender milhões de profissionais que estão desempregados, precisamos de estradas viciais e estaduais, em suma, precisamos de tudo, muito especialmente de esgotamento sanitário para que a cidade possa crescer verticalmente e não proibir edificações por falta de esgoto. Este é o estado galhofa que não trata nem mesmo o nitrato, e no caso do Rio Potengi que recebe esgoto in natura, fica fácil colocar a culpa nos camarões, mas aqui é sempre assim.

E assim, enquanto não vem nada, novas mentiras são colocadas na mídia para enganar o povo do Nordeste. Portanto, pelo que eu relatei não temos falta de água, pelo contrário temos muita, o que nos falta é bom senso. Não temos um projeto para as galerias pluviais de Natal e nem para transporte coletivo. Todos que vão ao exterior sabem que o metrô é a solução, mas infelizmente nem mesmo um estudo preliminar não existe. Brevemente os dominantes precisarão de helicóptero para livrar-se do trânsito. E enquanto não fazem as obras prioritárias vamos enganando a sede de justiça com 2,2 m3 por segundo. É bom lembrar que para a água que vem do São Francisco para encher Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte, precisará de 3 anos para enchê-lo. Não é uma brincadeira isso? Esse não é um país sério.

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo. O RN não precisa importar água do Rio São Francisco para o seu desenvolvimento sustentável. Nosso problema, especialmente no Baixo Vale do Açu é as enchentes que agora ocorrem de maneira consecutiva abalando a geo economia da região. Os ribeirinhos já estão deixando de plantar nas margens do rio Açu. As grandes empresas multinacionais e nacionais também. A transposição não vai acrescentar um só emprego na região. Esta história de beneficiar 12 milhões de pessoas é uma falacia. Por exemplo as comunidades rurais do municipio do Assu - RN tais como Baviera, Santa Clara, Linda Flor e outras, apesar de estarem situadas as margens do rio Açu não utilizam a água corrente deste manancial. Acham que a água está contaminada por agrotóxicos e cianobacterias como atestaram as pesquisadoras Andréa Lessa e Ivaneide Soares. Utilizam água de poços artesianos.