sábado, 1 de março de 2008

TRANSPOSIÇÃO, UMA VELHA IDÉIA: DESDE D. PEDRO II

A transposição das águas do rio São Francisco para outras bacias do
semi-árido nordestino é uma velha idéia que remonta aos tempos do Império.
Mas ela nunca chegou tão perto de ser concretizada como agora, apesar das
incertezas e controvérsias que a cada dia surgem e que desaconselham a sua
implementação.D. Pedro II - aquele sentimental Imperador do Brasil que
chegou a empenhar as jóias de sua própria coroa para acabar com a miséria
causada pelas secas no Nordeste - também imaginou desviar as águas do
Velho Chico, contratando engenheiros estrangeiros que lhe apresentaram um
esboço de projeto.Mas a sua implantação se tornou inviável porque a
tecnologia da época não foi capaz de vencer um grande obstáculo: o relevo
acidentado da Chapada do Araripe, que impedia o transporte da água até o
Ceará.No entanto, para não deixar os cearenses totalmente frustrados com a
expectativa criada pelo anúncio da obra, o Imperador procurou compensar a
desistência do projeto megalomaníaco com a construção do açude do Cedro.

LEGITIMIDADE SÓ COM PLEBISCITO

Estamos a iniciar um novo milênio, e eis que a velha idéia da transposição
do Rio São Francisco, pelo impulso do Governo Federal está sendo posta em
prática, apesar da temeridade provocada pelos impactos ambientais, sociais
e econômicos que poderá causar no futuro, com a retirada permanente de
parte considerável das águas do Velho Chico.Ora, como esse projeto envolve
diretamente pelo menos nove Estados da Federação, gerando uma discussão
conflituosa, e até emocional, só um plebiscito poderia dar-lhe
legitimidade e acalmar os ânimos de todos aqueles que se consideram
abandonados ou prejudicados.

EMOCIONALISMO, ARMA DE FRAGILIZAÇÃO DOS QUE SE OPÕEM

Não entendemos o porquê dessa insistência fervorosa dos executores da obra
de transposição, quando nos Estados doadores, como Bahia, Sergipe e
Alagoas várias ações que poderiam melhorar a qualidade de vida de suas
populações foram relegadas a um segundo plano. Projetos de saneamento,
distribuição de água e irrigação para comunidades que vivem às margens do
rio foram completamente esquecidos ou abandonados.O resultado é que a
resistência da qual participamos ao lado de parlamentares, igreja,
professores, estudantes, pescadores, ambientalistas, sociedade civil,
fragilizou-se porque não houve unidade de comando, e aquilo que deveria
ter sido visto como uma luta em defesa do meio ambiente, da sobrevivência
do homem, foi passado pelos poderosos do dia, com a complacência de quem
realmente detém o poder de mando , como uma pretensão meramente
provinciana de quem, possuindo água em quantidade, nega de forma egoísta
um reles copo do precioso líquido logo a quem mais precisa...

E SE NÃO HOUVER ENERGIA PARA MOVER AS ÁGUAS?
QUEM VAI PAGAR A CONTA?

Desta feita não vamos citar todos os inconvenientes do projeto apressado
de transposição. Vamos apenas nos referir aos prejuízos que ele poderá
causar aos projetos de energia elétrica que dão garantia de suprimento
contínuo às necessidades regionais.Sabemos que é durante o período das
secas, quando os Estados beneficiados com a transposição vão mais precisar
das águas do rio São Francisco, que a CHESF se encontra no limite de sua
capacidade de fornecimento de energia. Com a demanda adicional requerida
para o bombeamento das águas para a transposição, o efeito inevitável é
que haverá no sistema CHESF um excesso de demanda de água e de energia,
podendo acarretar medidas de contenção drásticas, como o racionamento
permanente em toda a região Nordeste.A não ser que o governo descubra
novas fontes de suprimento de água, como, por exemplo, fazendo a
transposição da bacia do Rio Tocantins para a do rio São Francisco e ao
mesmo tempo construa novas hidrelétricas...
Fica claro que sem energia o projeto da transposição não anda. Só que a
energia atualmente existente (cerca de 10.000 MW) é insuficiente até mesmo
para atender às necessidades atuais dos Estados servidos pela CHESF. Como
o sistema de distribuição de energia é interligado os defensores do
projeto poderiam alegar que a força para mover as águas poderia ser
retirada de outras regiões produtoras, como a fornecida pela Usina
binacional de Itaipu, ou pelas usinas termoelétricas, ou pela usina
nuclear ... Quem vai pagar energia tão cara?

A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR

A esse respeito (energia necessária para a transposição) o pesquisador da
Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, emite uma opinião altamente
preocupante, que reforça o meu raciocínio:“Existe um potencial gerador na
bacia do São Francisco estimado em cerca de 10 mil MW, com poucas chances
de ser ampliado. Esse potencial gera anualmente cerca de 50 milhões de
MW/h. Se considerarmos o atual crescimento do PIB do país entre 4 e 5%,
isso significa que a demanda de energia elétrica está na faixa de 6 a 7%
(esse crescimento se dá 2% acima do crescimento do PIB). Nesse aspecto, em
12 anos teremos que dobrar a produção de energia para satisfazer a demanda
da região e assegurar o nosso desenvolvimento. Ao invés de 50 milhões,
teremos que gerar, em 2017, cerca de 100 milhões de MW/h. A pergunta que
não quer calar é a seguinte: onde será gerada essa energia, tendo em vista
a impossibilidade de se ampliar o nosso potencial gerador no São
Francisco? Lembramos que para cada m3/s de água retirado do rio,
anualmente deixam de ser gerados 22 milhões de kw. Essa energia que deixa
de ser gerada em cada m3/s é suficiente para eletrificar uma cidade de 35
mil habitantes”.Portanto, se não há mais possibilidade de se construir na
bacia hidrográfica do rio São Francisco alguma outra hidrelétrica para
incrementar o potencial energético da CHESF, em determinado momento, que
não vai durar muito, não haverá energia suficiente para o bombeamento das
águas da transposição. Então, a CHESF terá que buscar energia de outras
fontes ou de outras centrais de distribuição, a um custo inacessível ou
tão alto que não valerá a pena ligar as bombas para transpor as águas.Esse
projeto poderá vir a se tornar inútil, e o governo de novo terá que
encontrar outras soluções menos dispendiosas para resolver o grave
problema do abastecimento do Nordeste setentrional, abandonando de uma vez
por todas o projeto faraônico da transposição de R$ 5 bilhões– hoje
chamado de "projeto de interligação de bacias", um terminologia inventada
pelos tecnocratas somente para dourar a pílula de iniciativa tão
arriscada.O gigantismo do projeto é tal, como também a sua
imprevisibilidade, que, mesmo depois da implantação de todo o sistema de
bombeamento e adução, há o risco sério de não vir a funcionar por
incapacidade de suprimento de energia.

REVITALIZAÇÃO JÁ, SALVEM O VELHO CHICO!

Será que estamos enxergando mais uma obra inacabada, mais um elefante
branco, ou estamos sendo pessimistas, ou apenas exercendo o nosso direito
de espernear?Vamos cuidar da saúde do Velho Chico!Não seria o momento de
enfrentar a questão da revitalização do Rio da Unidade Nacional,
assumindo-a como obra prioritária?Na revitalização poderíamos despoluir as
águas do São Francisco, bloquear a erosão com o replantio de suas matas
ciliares, restaurar a navegação diminuindo a distância entre as cidades,
cuidar de sua despoluição executando obras de esgotamento sanitário em
todas cidades que jogam dejetos diretamente na sua calha, promover a
piscicultura como meio de sustentabilidade econômica, a irrigação como
instrumento de geração de emprego e renda e o turismo rural como mais uma
alavanca do desenvolvimento das comunidades banhadas pelo rio.

Por que não ouvem o triste clamor "Salvem o Velho Chico!", daquele humilde
pescador que ao lançar os seus olhares nostálgicos sobre o passado do rio
sente que a cada dia míngua o seu sustento?

Senador Antônio Carlos Valadares


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