O Dr. Manoel Bonfim, por tantos anos diretor do DENOCS, em seu livro “Potencialidades do Semi-árido”, afirma que o “grande erro do DENOCS foi não fazer a distribuição das águas estocadas no Nordeste”. Assim, 70 mil açudes feitos em toda a região – a mais açudada do planeta – guardam águas que nunca são democratizadas, porque as adutoras que visem sua distribuição jamais são feitas. Os poços, feitos com dinheiro público, acabaram trancafiados em propriedades particulares de latifundiários. Finalmente, se o governo conseguir realizar a transposição do São Francisco, todos os grandes açudes receptores terão suas águas privatizadas, tanto as originadas pela chuva – potencial de 37 bilhões de metros cúbicos -, quanto àquelas oriundas do rio São Francisco. Finalmente uma elite nordestina restrita vai conseguir impor o primeiro grande “mercado de águas” no Brasil, como já queria o Banco Mundial ainda na década de 90.
Pouco a pouco, sem grande reação da população brasileira, nossas águas vão conhecendo o caminho da privatização, embora constitucionalmente continuem como um “bem da União”.
Quando falamos em reforma hídrica, propomos exatamente o empenho do Estado para garantir que a água continue um bem comum, acessível a todos, fora das regras do mercado. Parece que, assim como a terra, não será possível, a não ser pela luta popular.
Ao construirmos aproximadamente 300 mil cisternas, ao propormos a captação da água de chuva para a produção, ao propormos a construção das adutoras que estão previstas no Atlas do Nordeste, estamos propondo a segurança hídrica para milhões de pessoas e também a socialização de um bem que constitucionalmente ainda continua de todos os brasileiros. Seria o princípio da reforma hídrica, a começar pelo Nordeste. Ou então vamos para o pior, assim como aconteceu com a terra.
Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra, colaborador e articulista do EcoDebate
Publicado no EcoDebate
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