terça-feira, 21 de agosto de 2007

Revitalização de bacias hidrográficas

*OSVALDO FERREIRA VALENTE

A polêmica sobre a transposição do rio São Francisco tem colocado em
evidência a palavra revitalização. Fala-se muito na necessidade de
revitalizar, preservar e conservar bacias hidrográficas, mas os conceitos
não estão muito claros na cabeça dos especialistas de ocasião, ou de
algumas pessoas que têm a mania de falar sobre tudo, mesmo sem
conhecimento de causa. Por isso o assunto está sendo muito mal explorado,
com manifestações repetitivas e cansativas para a população que não vê
nada além de muita conversa fiada. Ministros viram especialistas da noite
para o dia e passam a dar lições de incompetência técnica, camufladas pela
arrogância da autoridade momentânea.

Já tenho insistido, em outros artigos, que revitalizar bacias
hidrográficas é operação que deve levar em consideração três ações
básicas: conservar lençóis e nascentes, usar racionalmente a água
produzida pelos lençóis e pelas nascentes e despoluir os córregos e os
rios gerados. Conservar lençóis e nascentes é a ação fundamental, pois só
daí pode vir a garantia de fornecimento de água nas épocas de estiagem e a
minimização de cheias e inundações nas épocas de chuva. O uso racional é
para evitar os desperdícios, comuns nos dias atuais, e diminuir os
prejuízos causados à qualidade natural da água. Despoluir é a tarefa de
corrigir a queda da qualidade natural da água, quando o uso causar
alterações inevitáveis.

Apesar de vermos as atenções concentradas na despoluição e no uso
racional, quando o assunto é revitalização, a realidade hidrológica não
deixa dúvidas sobre a prevalência que deve ter a conservação de lençóis e
nascentes. Os lençóis d’água são fantásticos reservatórios subterrâneos,
naturais, responsáveis pela retenção temporária da água de chuva e pela
sua liberação paulatina aos cursos d`água, através das nascentes. Se eles
não existissem e não fossem devidamente abastecidos todos os anos, com boa
parte das águas de chuva, estas seriam drenadas rapidamente pelas
superfícies, causando fortes inundações, e os córregos, riachos e rios
seriam todos temporários, ou seja, correriam após as chuvas e ficariam
completamente secos nos períodos de estiagem. As preocupações com o uso
racional e a despoluição pressupõem, portanto, a prévia existência da água
no espaço e no tempo.

Mas onde estão os lençóis e as nascentes em nossas bacias hidrográficas?
Estão predominantemente (certamente mais de 85%) em propriedades rurais,
que dividem as superfícies das bacias (exceção feita a grande parte da
Região Amazônica). Apesar disso, e pela visão eminentemente urbana que
temos da água, as propriedades rurais e seus donos ainda não são
considerados parceiros prioritários nos planos de conservação de recursos
hídricos. Precisam, urgentemente, de apoio técnico e financeiro para
receberem e processarem adequadamente as enormes quantidades de águas de
chuva que chegam anualmente em suas terras (cada hectare em região com
1.200 milímetros de chuva por ano, por exemplo, recebe 12 milhões de
litros d’água no mesmo período). Mas o que vemos hoje é somente o
bombardeio de exigências legais e de soluções salvadoras como
reflorestamentos ciliares e de topos de morros, terraceamentos,
barraginhas e tantas outras. Nenhuma delas, por si só, será capaz de
produzir todas as virtudes propaladas e esperadas. O manejo de bacias
hidrográficas não pode ser samba de uma nota só, servindo apenas para
massagear alguns egos. Cada situação tem seus caprichos hidrológicos que
precisam ser avaliados antes de quaisquer medidas de conservação, exigindo
que os produtores sejam ajudados dentro das características de seus
variados ecossistemas.

Os sindicatos rurais e as federações precisam lutar para “inserir
efetivamente” os produtores rurais na conservação dos recursos hídricos
presentes em seus domínios. Vejo sempre, por exemplo, a informação de que
o governo federal já reservou 500 milhões para obras de revitalização do
São Francisco. Que os governos de Minas Gerais e Espírito Santo também já
prometeram bons recursos para a bacia do Rio Doce. Por que os produtores
dessas bacias não partem logo para gerar bons projetos em busca de parte
de tais recursos? Projetos que respeitem os fundamentos hidrológicos de
pequenas bacias, as especificidades dos ecossistemas e as condições
socioeconômicas dos produtores. Se ficarem esperando que instituições e
empresas públicas tomem as iniciativas, os tais recursos serão todos
consumidos por entidades ligadas à despoluição, nos movimentos de
mobilização, nas atividades de educação ambiental que só falam na
“importância de fazer” e nunca no “como fazer” e nos “famosos
reflorestamentos ciliares” que povoam os sonhos dos ambientalistas.

Com a palavra as federações e os respectivos sindicatos rurais que estão
presentes em todas as nossas bacias hidrográficas.

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* Professor titular aposentado da UFV e especialista em hidrologia e
manejo de pequenas bacias hidrográficas (conservação de nascentes)

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